SONO IGUALADOR
A “boyzinha” voltou atendendo ao assobio. É magrinha, pernas de fora e capacete rosa. Onde será que ele está? Sua motinha é bem novinha, igual a ela. Noite de domingo, pátio deserto, só bancas vazias para a feira do outro dia. Ele gesticula para que ela vá por trás do quarteirão.
Neste ínterim, um cão late no pátio da igreja procurando deus sabe o quê! Será se o animal está com raiva? A cada assobio do vigia, o vira lata parava, procurava encontrar a origem, mas não acertava a direção. Dava a impressão de que havia perdido o dono.
Um andarilho chegou gritando, latindo do seu modo. O urro humano dá impressão de desespero, e seguem caminhos diferentes. Urro, latido, vão se distanciando até ficarem inaudíveis. Ela estaciona sua moto em local iluminado, perto do vigia.
Dentro de uma das casas, nas imediações, alguém conserta o pneu da cadeira de rodas do pai deficiente. O furo na câmara de ar se deu por uma tachinha desprendida da amostra do armarinho. Vários buracos, dá trabalho. Ainda bem que conserva seu estojo de primeiros socorros de borracheiro. Você poderia ser borracheiro. Já sou, mãe! Eu sou borracheiro, mecânico, pedreiro, de profissão, tenho vinte e cinco.
Não sei se já te contei essa história, diz o pai deficiente esperando o conserto terminar. Se contou, conte de novo. Lá em Carnaúba dos Dantas tem uma comunidade chamada Pedra Branca. Um dia o prefeito foi à uma reunião e os técnicos perguntaram-lhe se em Pedra Branca tinha muito doido. Sim, as pessoas de lá são conhecidas como os doidos da pedra branca. O motivo é a grande quantidade de urânio existente na região, disse o técnico. O filho já sabia da história contada dezenas de vezes. Nem comenta.
A “ninfeta” olha para os lados e faz gesto que vai arrodear. Numa rua distante, uma outra feminina está sofrendo dores, com febre, num processo convalescente. A reação da vacina a derrubou. Posso dormir aqui na casa de mãe? Sim, responde o marido que conserta o pneu.
Enquanto a cola seca, o borracheiro improvisado passa a ler uma crônica para os dois ouvirem. Ao terminar, escuta do pai: é criativa. Da mãe: zzz, rrron, pchi. Adormeceu no sofá durante a leitura.
Na praça, a dona do trailer trabalha fazendo hambúrguer. O seu companheiro namorador pediu para ir em casa. Está, segundo o mentiroso, com uma dorzinha de cabeça. A motoqueira entra por trás segurando o capacete.
O médico disse, à vacinada, que demorasse a dormir para que o remédio começasse a fazer efeito. Ela está lutando contra o sono e expressa isso através de uma mensagem que o marido ler enquanto a cola seca. Deu certo, por enquanto, porque há outros furos. Escuta-se uma perseguição policial. O carro da frente é preto. Em velocidade alta, corre por cima da calçada. Ainda bem que o cão e o andarilho, já foram embora.
A dona do trailer fica preocupada com o seu amado demorando, mesmo assim continua servindo aos clientes, sozinha. O andarilho chega à casa do tio que lhe dá abrigo, costumeiramente. O cão procura se calar, e deita-se. Se ele tem dono, não apareceu. Cão sem dono é triste.
Mais um furo é consertado. Terminado todos os testes, o pai agradece, e vai dormir. A jovem da motinha sai com o dinheiro na mão. O “playboy” traidor volta para o trailer fingindo, ainda, dor de cabeça. No final do expediente, a dona do trailer nem olha para o “boy”, de tão cansada. O réu preso, adormece com o couro quente. A polícia e o vigia não podem, mas os demais se igualam no mundo dos sonhos.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 29.01.2022 ─ 17:37
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