COINCIDÊNCIAS DA NATUREZA
Coloca as malas no chão e senta-se em cima delas. Fica calculando como será sua vida daqui a dez anos. Tem a impressão de que a situação econômica permanecerá um problema tanto quanto agora. Olha para o relógio que continua a lhe apressar a vida.
Procura roubar o tempo, mas percebe que a fome é quem está lhe roubando as forças. Não quer esperar que o destino dê as cartas. Testemunha mais um trem partindo, e fica sem ter sonho para guardar. Gostaria de alguém para escutar suas histórias, entretanto, está na Suíça, em pleno inverno, poucas pessoas na rua e ele sem ter para onde ir. Apenas vivencia tudo aquilo e nem sabe por que foi parar lá. Seu medo recai em não saber tomar uma decisão apropriada. Só pode contar com a faxineira para entabular uma conversa.
−Qual é o seu nome?
−Aqui não tenho nome, sou conhecida por "a faxineira", − e continua a varrer.
Outro trem apita aproximando-se na curva. Ela retorna a conversa falando da sua criancinha-fantasma, fazendo-o se lembrar dos fantasmas que deixou no campo de batalha. Rostos sem traços, corpos metralhados... É despertado pela voz da faxineira:
− Acho que te conheço.
− Não, aqui não sou conhecido.
Ela olhou para a claridade chegando naquele amanhecer gelado. Estava indo embora, e ele não. O vazio de esperança o deixara estático. Um convite veria a calhar. Ele sabia que se ela fosse embora nunca mais se encontrariam:
− Posso ir com você?
Chegaram ao quartinho cheio de silêncio. As suas malas em outras mãos foram abertas e arrumadas entre roupas femininas. Durante o silêncio ninguém se cansou. Permaneceram em silêncio por várias vezes, exaustos, adormeceram abraçados.
Durante o sono viu árvores, com frutos de luz. Na montanha não tinha onde guardar tamanha claridade. Guardou no escuro dos olhos onde outros escuros se escondiam. Ria, entretanto, em pouco, o riso transformou-se em choro. Estava preso no escuro e chorando. Havia necessidade de extravasar todo o passado de agonia. Sua vida estava renascendo e como todo nascimento, o choro o acompanhava.
Acordou renovado com um almoço na mesa e um sorriso de boa tarde. Ela estava linda sem seu uniforme. A realidade o beijou e trouxe um perfume há muito não sentido. Seu espírito de mercenário estacionara naquele quartinho alugado. Não tinha mais de que ter medo. O inimigo estava derrotado em nome da democracia mundial. Ele condecorado com uma medalha que varria o chão. Tanto se fez entre guerras que agora apreciava a paz. Assemelhava-se a uma prímula no primeiro dia da primavera. Almoçaram e ficaram em silêncio por mais vezes.
A gestação de Ana se deu na mais completa normalidade. Sua família estava formada e feliz. Ela continuava no metrô, e ele fazia treinamento em uma empresa de segurança. Dois anos depois sua paz só foi afetada com a comprovação do DNA que o menino era filho de irmãos gêmeos.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Santa Cruz/RN, 05.12.2021 - 12:40
Muito boa, Heraldo. Frase áurea do texto: "Guardou no escuro dos olhos onde outros escuros se escondiam." - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirEm sentido figurado, áurea representa uma coisa magnífica, valiosa, brilhante.
ResponderExcluirValeu irmão Gilberto...