segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O REPENTE NORDESTINO - Diogenes da Cunha Lima

Xilogravura de_Alves Sobrinho


O REPENTE NORDESTINO

 

Diogenes da Cunha Lima

 

Nenhuma região do país é tão pródiga na inventividade como o Nordeste. A arte do repente identifica a nossa região. É o exercício da poética popular, do sertão ao litoral, com versos de fazer inveja a poetas eruditos.

O repente nordestino é duelo verbal de cantadores com o acompanhamento de viola, rabeca ou pandeiro (embolada). Em todas as suas formas, participa do rico Patrimônio Imaterial do Brasil. É o diálogo do improviso e da liberdade vocabular.

Muito se discute sobre a sua origem. Como sempre, Câmara Cascudo vai mais longe. Para ele é o desafio oriundo do canto amebeu, grego, do tempo de Homero. É canto alternado, obrigando resposta às perguntas do companheiro.

Muitos poetas cantadores tornaram-se célebres. Pinto do Monteiro (sempre considerado o mestre da cantoria), um dia, recebeu Lourival Batista, crescente em versos quentes. Glosaram os dias da semana com o humor produzido por trocadilho. Pinto: 


“No lugar que Pinto canta

não vejo quem o confunda.

Que o rio da poesia

o meu pensamento inunda. 

Terça, quarta, quinta e sexta, 

sábado, domingo e segunda”. 


Lourival respondeu: 


”Sábado, domingo e segunda, 

Terça-feira, quarta e quinta. 

Na sexta não me faltando

A tela, pincel e tinta

Pinto pintando o que eu pinto 

Eu pinto o que o Pinto pinta”.


Ninguém sabe dizer melhor das coisas da região do que o poeta mossoroense Antônio Francisco. É sempre expressiva a sua linguagem para fazer pensar. Brevíssimo exemplo: Falando sobre a fome, ele começa: “Engoli três vezes nada...”.

Fabião das Queimadas, escravo que tangia bem o verso e a rabeca, foi provocado para falar sobre a paga dos seus vinténs arrecadados. Que seria um poeta? Ele explicou: 


“Canta longe um passarinho

do outro lado do rio, 

uns cantam porque têm fome, 

outros cantam por ter frio. 

Uns cantam de papo cheio, 

outros de papo vazio”.


Não era cantador, mas poeta popular, popularíssimo. Aliás, Renato Caldas foi um lírico, improvisador, bem-humorado. Pediram-lhe que fizesse saudação ao escritor e pintor Newton Navarro. Versejou: 


“Adão foi feito de barro

mas você Newton Navarro 

foi feito de inspiração. 

Dos passarinhos, das cores

da noite feita de amores

do luar do meu sertão”.


Certa vez, o poeta tomou café em uma residência na cidade de Angicos e ao guardar suas coisas, distraidamente, incluiu uma colherinha. Já na sua cidade, em Assu, verificou o equívoco e voltou. Desculpou-se dizendo: 


“Eis aqui, dona Chiquinha, 

devolvo sua colher. 

De coisa que não é minha

eu só aceito mulher”.


Na função de conselheiro do Iphan, esforçar-me-ei para que o Repente Nordestino seja reconhecido como Patrimônio Imaterial Brasileiro.






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