quarta-feira, 22 de setembro de 2021

VINGANÇA CABELUDA - Heraldo Lins

 


VINGANÇA CABELUDA


A noiva chata ditava recomendações que Mariana estava farta de saber. Em meio ao tempo se esgotando, a moça desmanchava tudo e pedia para reiniciar o modelo escolhido.

Mariana relembrava a praia onde muitas vezes passava o final de semana junto ao noivo, agora, estava a arrumar a mulher que tomara o seu lugar. Seu desembrulhar de recordações deixava suas mãos frágeis e sem vontade de prosseguir. No fundo, queria estar em casa relembrando o passado junto ao filho. 

A noiva observava aquela segurança com um certo rancor pelo filho que Mariana gerou antes dela. A impaciência de estar ali suportando uma simples cabeleireira levar como herança algo de Mário, fazia-lhe mais áspera ainda. Ela também é mulher fértil, e por isso planejou seis meses de lua de mel para chegar do cruzeiro com um filho em seu ventre. Esse era o plano: mostrar à cabeleireira que um outro filho de Mário, dessa vez legítimo, estava sendo gerado em um ventre decente. 

Esse mundo das mulheres é cheio de nuances que só são entendidas quando as duas lutam pelos mesmos ideais. As brincadeiras ou falas simpáticas têm significados diferentes para quem está de fora. Jogos sutis de ironia improvisada dizem qual o destino das indiretas. Nem todo mundo percebe o dizer de um olhar baixado após um abrir rápido dos olhos para a esquerda; um passar de cabelo por trás da orelha ou mesmo segurar a aliança, aparentemente sem nenhum significado, só a elas cabem decifrá-los. Seriam, afinal, códigos não escritos nem divulgados para o mundo masculino. Esse idioma, só entendido por mulheres na idade de lutar por seus machos, demarca território para gerar crias e mantê-los protegidos. Pouco valor se dá para os prêmios masculinos. O troféu consiste mais em derrotar a outra do que ganhar o homem. É assim que a imaginação feminina funciona, tão bem colocado em prática por Mariana naquele momento.   

A semana inteira ouvindo conversas das festividades, deixara Mariana mais informada do que os próprios repórteres do jornal da cidade. Suas noites de sono só se iniciavam depois de olhar o filho ressonar nos braços da avó. Comentava consigo que não merecia aquele desprezo. Amava Mário e ele a ela, e apenas o valor monetário surgiu para separá-los. 

O grande encanto por uma vida feliz estava se extinguindo naquele penteado. Seus olhos se fixaram nas mãos atrevidas da noiva quando, mais uma vez, desmanchou os cachos cuidadosamente arrumados. Fingindo aparar uma ponta do cabelo que teimava em sair da estética, Mariana enterrou, por várias vezes, a tesoura na veia jugular da noiva. 

A solenidade foi transferida para o cemitério com dois féretros em horários diferentes. Os seguranças foram condecorados pelo pai da finada noiva que, com aquele ato de vingança, tentara amenizar o sofrimento da família.

 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 05/09/2021 – 11:53



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