segunda-feira, 6 de setembro de 2021

TRABALHADOR COMPULSIVO - Heraldo Lins

 


TRABALHADOR COMPULSIVO



Lá vai o fazedor de palavras em direção ao trabalho. O frio o faz voltar ao guarda-roupa em busca do blusão perdido na selva de panos. Finalmente, pronto para a missão, senta-se e fica aguardando chegar sua tarefa desta madrugada. 


O relógio se atrasou um pouco. Olha a luz que não consegue enxergar o tic tac da escuridão torturante. Ao longe, enquanto muitos dormem, ele está disposto a ficar indisposto. Busca algo para tirar-lhe a ansiedade, e encontra um grande prato de palavras apagadas. Seu apetite saiu do pesadelo que acabou de ser vítima. Lá, era pipoqueiro. Seu carrinho explode com as bombas que foi obrigado a colocá-las escondidas entre saquinhos vazios. 


Sua mente está destrutiva esperando sem saber de onde vem o alvará de soltura da imaginação. Já começa a entrar em pânico às duas e vinte e três da madrugada, porque não tem mais sono e nem vontade de ficar acordado. Fica tentando, com as mãos cheias de chaves, aparafusar frases rachadas. Tenta encaixá-las na forma pré-fabricada da academia. Não sabe muito sobre o padrão exigido e nem quer aprender por medo de se tornar um crítico literário.  


Escuta rajadas de vento passando pelos dendritos dizendo que o fundo do poço o espera. Não se preocupa com isso porque o fundo do poço não tem ralo e de lá não passa. O trabalhador é rude na maneira de pensar e delicado no agir. Prefere comprar prosa esmiuçada na feira do que olhar a vitrine da poesia. Dá-se por satisfeito em não precisar medir sílabas e nem estrofes. Tem receio dos trabalhadores de diploma. Seu ofício foi aprendido e lapidado pelos sentimentos revoltados. Aqueles sentimentos sem uma definição plausível. Apenas pegos saindo do criadouro, fresquinhos como o pão da manhã sem fermento. No seu criar não tem sofrimento. Elegeu se manter vivo, longe do poder destrutivo da vaidade, e isso basta.

 

Mete a cabeça e vai fazendo o que os trancos e barrancos o orienta. Tem consciência de que todas as profissões se igualam no consumo do tempo. Prefere escolher uma que só serve para suprir o sono e testemunhar a vida passar. 


Há satisfação do trabalhador em saber que alguém com a mesma vocação está a bater nas teclas emperradas pela ferrugem do tédio. São irmãos da mesma contemporaneidade. Alocados em um espaço giratório e monitorados pelo nascer do sol. Agora vai retomar à atividade que sempre fez com prazer: escrever o que lhe vem à cabeça. 


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 04/08/2021



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