segunda-feira, 6 de setembro de 2021

O REPENTE NA ACADEMIA - Diogenes da Cunha Lima

 

O REPENTE NA ACADEMIA

 

Diogenes da Cunha Lima

 

A nossa Academia Norte-rio-grandense de Letras eleva os valores da cultura e é aberta às manifestações populares. O programa “Academia para Jovens” recebe alunos e professores para aprimorar o sentimento da importância da cultura transmitida pela educação. O improviso e o repente dos cantadores não lhe são ausentes.

A prodigiosa memória do professor Lúcio Teixeira surpreendeu o inesperado. Estavam dois cantadores na casa do fundador da Academia, Luís da Câmara Cascudo, quando um besouro cascudo pousa no ombro do Mestre. Foi o bastante para um cantador versejar: 


Estou vendo dois cascudos

Um do outro é diferente

Um não tem raciocínio

O outro é inteligente

No mato cascudo é bicho

Na praça Cascudo é gente”.


Em cerimônia acadêmica, falava um companheiro não da simpatia do poeta Luiz Rabelo, um mestre da arte do improviso. O orador falava baixo e com alguma impropriedade de linguagem. O cachorro da zeladora começa a latir. Logo, Rabelo descreveu a sessão magna: 


“O acadêmico falava

Mas o cachorro latia

Era bem grande a arrelia

Nada o auditório escutava. 

Assim se desenrolava 

a sessão na Academia

Afinal ninguém sabia 

(era impressão que deixava) 

Se o cachorro discursava

Se o acadêmico latia”.


O desafio do violeiro começa normalmente com um autolouvor exagerado de um cantador para intimidar o parceiro.

Certa vez, convidei dois cantadores para uma apresentação na Academia. Sugeri o tema: A chegada do cantador no céu. O potiguar-paraibano Antônio Sobrinho discorreu sobre as suas vantagens na visita celestial, havia recebido o aplauso dos santos. O poeta pernambucano contestou. Disse que, no “céu”, o companheiro foi recebido por um anjo de rabo e chifre, que soltava fogo pelas ventas. Teria sido mergulhado em enxofre fervente. Por sorte, consegui decorar a resposta: 


Viajei num transporte igual ao vento

E fui conhecer o céu empíreo

Nas mãos eu levei a flor do lírio

E nos braços levei meu instrumento

Ao chegar no céu nesse momento

Me senti o poeta mais feliz

Jesus me escutando pedindo bis

E eu repeti a mesma cena

Namorei com Maria Madalena

Não casei lá no céu porque não quis”.


A plateia, emocionada, aplaudiu.

O acadêmico Veríssimo de Melo deixou copioso legado de suas pesquisas folclóricas. Deu especial relevo à atualidade da poética popular. Entre tantos estudos, revelou a cantoria feita para a visita do Papa João Paulo II a Natal, a morte de Tancredo Neves, registrou a exposição de cordel no Museu Britânico. Muitos desafios surpreendentes. Vamos prestar-lhe a devida homenagem nos cem anos do seu nascimento. Estamos convidando dois cantadores para, em sessão aberta e com transmissão pela internet, louvarem a sua vida limpa e sua obra semeadora.

A Academia trabalha com a colaboração do tempo, promovendo ensaios, valorizando experiências intelectuais, como orienta o seu lema, buscando a luz dos astros na sabedoria popular.



Diógenes da Cunha Lima (poeta, prosador e compositor) é advogado e presidente da ANL (Academia Norte-rio-grandense de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil). 

Foi Presidente da FJA, Secretário de Estado; Consultor Geral do Estado; Reitor da UFRN; Presidente do CRUB. Atualmente, dirige o seu Escritório de Advocacia e preside a ANL (Academia de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).



2 comentários:

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