IMPREVISTO CORRIQUEIRO
Vou praticar esporte ao ar livre em Cabaceiras na Paraíba. Dizem que é um dos lugares que menos chove no Brasil. O meu objetivo é levar chuva para a cidade, já que toda vez que coloco os tênis para correr, chove. Chegarei lá e serei aplaudido pela maioria da população. Estou sonhando com a fama. Eu saindo para correr e aquela procissão correndo atrás. As velhinhas sendo levadas nas costas pelos netos. Umas rezando o terço, outras pegando carona em motos.
O padre e os políticos irão junto. A delegacia fechará as portas para a polícia treinar comigo. O aguaceiro nas estradas carroçáveis dará o charme da lama nas canelas. Depois de duas horas de chuva, irei almoçar com a primeira-dama e assessoras. As atividades culturais da cidade irão me homenagear em praça pública, à noite, claro. Os agricultores começarão os plantios no mesmo dia. A safra de milho e feijão estará garantida.
Os bancos instalarão suas agências para financiar o replantio. Lojas de celulares dentro do novo shopping farão a festa. Muitas empresas se instalarão por lá. Será criado um parque industrial de automóveis movido a energia solar. Um centro de pesquisa avançado será instalado com dinheiro oriundo da criação de esturjão. O caviar produzido por esses peixes será exportado para a Dubai.
Universidades de medicina utilizando física quântica terão suas aulas iniciadas. O New York Fashion Week será transferido com o novo nome de Cabaceiras Fashion Week. Haverá um jatinho pronto para me transportar para perto das plantações de uva quando precisarem de chuvas setoriais. Nos riachos serão instaladas hidrelétricas.
Cabaceiras será transformada em um grande lago coberto por placas fotovoltaicas. Tudo será modificado devido à prosperidade. A população não terá tanto chão de terra seca para pisar, em compensação poderá residir em iates de luxo, ou escolher fazer suas casas nas paredes das hidrelétricas.
Por cima do espelho d’água haverá pontes para que eu possa correr e manter os reservatórios cheios. Com a fartura, ninguém correrá junto comigo. Estarão ocupados contando dinheiro. Receberei uma ajuda de custo da prefeitura para continuar correndo. Os mais jovens me conhecerão pelo doido que não para de correr. Pela falta de prestígio, sentirei depressão e não conseguirei nem mais andar. Os reservatórios secarão. Tudo voltará a ser como antes. É melhor guardar os tênis.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 05/03/2021 – 09:34
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