domingo, 14 de março de 2021

CABRA MACHO DE CUITÉ (Poema Matuto) - Poeta Daxinha

 


CABRA MACHO DE CUITÉ

(EM LINGUAGEM MATUTA)


Meu patrão, vô lhe contá

Cuma foi meu sufrimento

Desna daquele momento

Queu parei de trabaiá

Meu patrão me deu as conta

Fiquei de cabeça tonta

À procura dum seiviço

Só que eu nunca pensava

Cum trabaio queu arranjava

Arguém me sacaniava

Só pá me vê num inguiço.

É queu saí do Pelado

Cum um matulão nas costa

Pu causa duma proposta

Dum fazendero afamado

Da Barra de Santa Rosa

Que mandou o seu chofé

Vim vê se achava em Cuité

Um caboco bom de prosa

E que tivesse parado

Prá trabaiá na fazenda

Mais dixe: É bom que intenda

Tem que vivê pá dá renda

Sempre na luta do gado.

Eu recibí o recado

Saí à boca da noite

Pai dixe: Num se afoite


Ande cum munto cuidado

Danei o pé no camin

Passei no Bombucadim

Os galo tava amiudano.

E conde deu 11 hora

Graças à Nossa Sinhora

Lá na Barra eu fui entrano

Já andano estropiado

Com o chinelo quebrado

E a fome já apertano.

E sem sabe ponde ia

Parei lá numa budega

Acredite, meu colega,

Passava do meio-dia.

Conde inxugô o suó

Batí da chinela o pó

E continuei a viagem

Num bá, conde fui passano

Vi um home me chamano

Dixe: Agora eu vi vantage.

E entrei na porta do bá

Estava sentado lá

Uns oito caba estribado

E numa farra danada

Bebeno ceiveja gelada

E o assunto era gado.

Arriei o matulão


E peiguntei: Ô patrão

Em que posso li seiví

Em dixe: Meu chofé

Telefono de Cuité

Que vem um vaquero aqui

E na hora queu li vi

Pensei: Será este moço

Eu li dixe: Sô eu mesmo!

Ele pagô-me um aimoço

Dispoi tomei um café

Foi aí cu fazendêro

Dixe que tu és vaquero

Lá pas banda de Cuité?

Eu, cuma tô precisano

E tu que tais procurano

Um trabaio de vaquero

E arrecebesse o recado

Saba que só tais impregado

Fazeno um teste premero.

Que é entrá na caatinga

Corrê no maió penhasco

De serrote e de carrasco

Do fogo saí do casco

E pegá um boi cum mandinga.

Aí eu dixe: Patrão,

Na minha situação

Eu incaro um baibatão

E num vô pidi arrego

Se o sinhô tem um cavalo

Mande ozome ir buscá-lo


Que eu num peico este imbalo

De arranjá um imprego.

Aí o majó dixe assim:

Pois bem, amanhã cedim,

Eu já tô lá na fazenda

Levantei de madrugada

Cheguei na hora maicada

Certim, no pé da muenda.

Conde passei na portera

Avistei uma cabruera

Uns já vistino as pernera

Outros vistino gibão

Conde eu dixe: Bom dia

Já uví a anaiquia

Incrusive do patrão.

Arriei o matulão

Ali no pé da parede

E dixe: Eu sô Daxinha

Dá pá me dá uma aguinha

Queu vem morreno de sede?

O patrão dixe: Onorato,

Infoime a esse rapaz

Cuma é cagente faz

Para testá-lo no mato

Diga também a esse home

Que meu verdadero nome

É Coroné Sicinato.

E já gritô pá Gonçalo:

Vá me buscá o cavalo

Que matô Pantaleão


Quero vê se ele é testado

Lá no fundo do ceicado

No cavalo Fuguetão.

Travessamo uns suvacão

De paimatora e macambira

Crauá de xinxo e alastrado

Já pendeno para o lado

De Aigudão de Jandaíra

Ainda dixe: Janjão,

Me traga aquele gibão

Que foi de Pantaleão

Que morreu acidentado

No cavalo Fuguetão

Peiguntei: Quá foi, patrão?

Dixe: O que tu tá muntado.

Arricibí as pernera

Direto das mão do moço

E conde passei a mão

Achei as ponta de osso

Que era ainda do finado

O sangue tava quaiado

Com um fedô de insosso.

Conde o cavalo chegô

Abriu a boca e rinchô

Conde o vaquero jogô

A sela dispoi da manta

O cavalo se incuieu

O patrão oiô pra eu

E temperô a gaiganta.

E cumeçô a mangação


Falaro inté no caxão

Para trazê o finado

E eu uvino calado

E fazeno uma oração.

Todo mundo se muntô

E eu saí mais atráis

Era uns quinze home ou mais

Foi aí que um rapaz

Desse jeito me falô:

Até hoje num iscapô

Quem correu em Fuguetão

Premero foi Irineu

Dispoi um tá de Pompeu

E, pú úrtimo, Pantaleão

Sempre se leva o caxão

Pá trazê o coipo do mato

E se isso acontece

Tudo indica que cum você

Pode compretá os quato.

Aí dexemo a istrada

E entremo na mata bruta

Atrevessemo uma gruta

Saímo numa chapada.

Aí, o caba da frente

Parô, assim, de repente,

E gritô: O boi já corre

E passo o baibicaxo dixe:

Prove que é macho

Ou pega o boiato ou morre.

E açoitô Fuguetão


Decemo ladera abaixo

Tirô de sarto um riacho

De trinta metro de laigura

Cum dizoito de fundura

Unha-de-gato e favela

Braúna nova eu trucia

Ói as ruma queu trazia

Na maçoneta da sela.

E Fuguetão na costela

Num deu foigo pu boiato

Joguei o bicho no chão

A máscara tava pronta

Passei a mão pela ponta

E encaretei no ato.

Ainda butei o chucai

Terminei o meu trabai

Fui pá sombra de uma favela

E deixei o Fuguetão

Bem perto do baibatão

Deispois de batê a sela.

Cum pôco uví a zuada

Deceno na buraquera

Era toda cabruera

Que vinha bem atrasada

Já há quase hora e meia

Teve lugá queu passei

E eles fizero arrudei

Pois num dava pá passá

E conde me avistaro

Tudo de uma vez falaro:


Cadê o boi, caba otaro

Que tu viesse pegá?

Um dixe: eu vô te avisá

Se deixasse o boi no mato

O Coroné Sincinato

Vai querê te atacá

Vai mandá nói te surrá

Caqueles cipó de boi

Que Deus do Céu me perdoi

Difiço é tu escapá.

Aí chegô o Gonçalo

Dixe: Cadê o cavalo

Vaquero meia-tigela!

Eu dixe: Tá amarrado

E o boi tá encaretado

E ainda achucaiado

Debaxo de uma favela.

Aí houve aquele ispanto

Perguntaro: Onde é o canto?

Arrespundi: Lá em baxo

Na berada do riacho

Pá vocês vê cuma é

E dizê pu Coroné

Que pas banda de Cuité

Ainda tem caba macho.

Conde viro que era certo

Dixero: Oh, caboco isperto

E quizero abraçá eu

Aí eu dixe: Tire as mão

E vão falá pu seu patrão


Queu num peguei o baibatão

Logo puique Fuguetão num deu.

E eu num quero seu imprego

E nem vô pidi arrego

A esse tá de Coroné

Vô pegá meu matulão

E intregá Fuguetão

Desses lá na região

A gente chama pangaré

Mas um recado aqui vai

Pra num duvidarem mai

Dos vaquero de Cuité.


Autor: JOSELITO FONSECA DE MACEDO, vulgo, DAXINHA.


20/02/2002

Um comentário:

  1. Lendo e vendo um filme passar... Obrigada por mais essa oportunidade, Gilberto!!

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