segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

PARA NÓS TUDO É NORMAL - Heraldo Lins

 



PARA NÓS TUDO É NORMAL  

 


Os ursos estão chegando. Milhões deles atravessaram a atmosfera e estão devorando o que surge à sua frente. Não adianta matá-los. Cada morte de um, surgem dois. As formigas os acompanham, e, também modificadas geneticamente, quando morrem transformam-se em tamanduás. Consciente de tudo isso e indefesos, os humanos estamos sobrevivendo em estado líquido. Os ossos e carne humanos deixaram de existir. Foram transformados em água. Os invasores precisam ingerir-nos para matar a sede. O mundo sofreu bilhões de modificações e estas acima citadas são apenas a ponta do iceberg. Ninguém tem controle de mais nada. As leis da natureza, antes existentes, são alteradas a cada minuto, senão, a cada segundo. E não adianta questioná-las. O melhor é ficar no lençol freático para escapar dos sedentos. O sonho de voar acontecerá para os que ficarem na superfície dos oceanos. O sol continuará evaporando-os, e vamos para as nuvens olhar lá de cima as modificações no que antes era a terra como havíamos conhecido. Não existem predadores nem presas. Somos todos iguais, ingerindo e sendo ingeridos. Nessa confusão toda, a dor foi extinta. Não existe um parâmetro nem motivo para a obediência. Todos podem tudo e nem pecado há. O bem e o mal acabaram juntos com a dor. Passaram a ser conceitos ultrapassados nesse caldeirão de misturas. Mesmo os ingeridos divertem-se conhecendo o corpo dos consumidores. Ninguém fala, apenas sente. Alguns fervem nos vulcões, e outros, solidificados nas geleiras, ficam observando. Não procriamos. O que existia antes permanece. Transformam-se em outros, mas não se alteram em números. As abelhas não precisam de suas asas. Quem comanda os voos são as forças aleatórias que surgem e desaparecem sem um ritmo que se possa prever. O fogo não queima, apenas passa como uma fumaça. O que acontece é que passamos a voar com mais facilidade. Viajamos e caímos ao esfriarmos. Conhecemos, além de estômagos, os meandros das plantas, o aconchego dos frutos e os bicos dos beija-flores. Somos neblina e furacão. Névoa e garoa. Não somos tudo, mas participamos de tudo sem receio da dor nem de traumas. O mundo ideal é agora que antes chamávamos de caos por estarmos em outro formato. Agora é o que sempre desejamos e não sabíamos. Livres de preconceitos ou qualquer moral reguladora. Somos sujos e limpos ao mesmo tempo, e nem nos importamos. Existimos do mesmo jeito. Abraçados por uns e renegados por outros. O problema não está em nós, mas nos outros que não nos aceitam como somos. Pouco importa suas preferências. Somos o que somos participando da vida e da morte. Somos senhores do universo. Somos simples e complexos, porque estamos água.            

 

 

 

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 11/01/2021 – 16:16

showdemamulengos@gmail.com

84-99973-4114

 

 

 

Um comentário:

  1. Fez-me lembrar desse pensamento: Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar.
    Zygmunt Bauman

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