Oi de Pimba
Nailson Costa
O 'oi' é uma
interjeição, do ponto de vista gramatical, uma saudação, que pode significar
muito, ou não, dependendo do contexto. Já o 'oi' pronunciado por um nordestino
da gema, mesmo este tendo boa formação educacional, é uma gostosa corruptela da
palavra 'olho' presente no lindo sotaque do idioma nordestinês.
Ontem à tardinha, sufocado com o sedentarismo
em razão do confinamento social (Covid à vista), subi os 304 degraus da escada
do prédio onde moro. Fui à procura de um 'oi' do belo pôr do sol que se me insinuava naquele dia,
apesar dos muitos arranha-céus.
Acho bom ouvir a voz da
natureza pra pensar melhor os conselhos da vida. Eu carecia de um 'oi', nem que
fosse do vento, do sol ou da lua. Eu precisava que meu 'oi' voltasse a enxergar
as fantasias esquizofrênicas de minha infância. É que Toda criança tem um grau
de esquizofrenia lúdica e linda, sem necessariamente ser doente. O mundo da
criança é assim, repleto de heróis a interagir com ela mesma em seu enredo.
Rejeitei o elevador.
Queria sentir o prazer de chegar ao teto do prédio, cansado, esbaforido. Eu
queria ter a certeza de que ainda existia.
Volto à calma. O silêncio
da terra e o barulho do alto me levaram a pensar, sem antes nunca ter
pensado, no porquê de Bilo e Dr. Costa, nas poucas vezes que se dirigiram a
mim, uma criança de 7 anos de idade, era com um " Sai da frente, oi de
pimba".
"Oi de
pimba"! Que estranha essa denominação! Ainda hoje tenho os olhos
apertadinhos na minha grande cara redonda. Seria esse o motivo? Seria o meu
jeito estranho lúdico-esquizofrênico de cumprimentar, de dialogar, com o meu
mundo cheio de personagens? Eu vivia, sim, a falar um 'oi' alto pra eles!
Não, caro leitor, não acredito em que você
pense numa imagem de maldade a que possa esse apelido fantasiar. Bilo, Dr.
Costa, Geraldo, Ontõin, Piaca, Chico, todos da mais pura gema dos Costa do
Trairi, primos 'carná' de Pioso, meu pai, eram pessoas simples, honestas, de
caracteres irretocáveis, excelentes comerciantes do algodão mocó, riqueza maior do Região Semi-Árida do
Nordeste Brasileiro, até o mau-olhado da praga do Bicudo, nos fins da década de
1970, fazerem vítimas de quebranto as nossas alvas plantações. Os Costa eram
uma família destituída de maldades.
Eles, os Costa, como escrevi no conto 'Os Kuestas', adoravam botar apelidos estranhos nos amigos.
Era a sua melhor forma de demonstração de carinho e amizade. Seus melhores pitacos
e palpites, entretanto, se davam no 'fitibó' jogado pelo Real Madrid, o de São
Bento do Trairi. O 'fitibó' de "lá in nói", nas terras de Afonso
Costa, também era resenhado nas tradicionais reuniões de suas calçadas à noite.
As fofocas, as mentiras, as risadas, as pabulagens heroicas eram ditas no mais
alto tom de suas cordas vocais, e estas, as estridentes cordas vocais dos
Costa, se estiravam felizes naqueles encontros noturnos diários. Os Costa eram
bons conhecedores das aflições da alma humana. Eram precisos e transparentes
nas suas aparições públicas, sem a necessidade da aspereza dos diplomas de papel e da sutileza abstrata dos
conhecimentos livrescos.
Ali, todos eram valentes! Nenhum frouxo,
apesar de o serem de dar agonia! Amaral Costa era exceção. Queria provar a toda
hora a sua valentia. E provou, ao entrar na jaula do leão - com o domador,
claro -, para sair em seguida, às pressas, todo cagado, no primeiro rosnado da
fera perigosa, sob os "ohhhh"
apreensíveis, os aplausos trêmulos e as risadas de ufa do respeitável público
do circo ... que não era o Circo Mágico Nelson, pois este não tinha leões,
elefantes, globo da morte como atração.
- Ah, os Costa do
Trairi!
Por que pensei neles no silêncio das alturas
de meu prédio? É fato que eles falavam muito alto! Irritante até! Ninguém nada
ouvia além de barulho. Nem eles mesmos
se ouviam quando juntos estavam. Houve até quem dissesse que o primeiro
Costa a chegar às terras tupiniquins, foi o Capitão da embarcação da Nau de
Cabral, aquele que gritou "Terra à vista", e todos ouviram bem e se
abraçaram felizes! É possível, também, que Graham Bell tenha se inspirado nas
cordas vocais dos Costa para inventar o telefone, o oi, a fala à distância de
muitos milhares de metros.
- Ah, os Costa do
Trairi!
Eu adorava os seus
apelidos! Todos eles são eu mesmo, pelo menos no conto 'Os Kuestas'. Todos eles
eram meus heróis, meus heterônimos famosos, mesmo sendo Rapapernum Kuesta, meu
pai, o único herói de minhas histórias.
Não sei por que eu, lá
do alto do prédio onde moro, pensei tanto nos Costa do tempo de minha infância.
Não sei por que me lembrei do Capitão da
Nau de Cabral, possível primeiro Costa a chegar por aqui. Não sei por que eu
ouvi, naquela tarde de meu pôr do sol, a discussão feroz, vinda do céu, entre
Bilo, Doutor e demais Costa com Graham Bell, por causa dos termos dos direitos
autorais da invenção do telefone e de uma possível indenização.
Não sei por que acho
que vi todos eles, desenhados por entre as nuvens a ofuscar minha visão do fim
de meu dia.
Enfim, não sei por que todos silenciaram a sua discussão,
entreolharam-se espantados,
apontaram seus dedos pra mim e disseram surpresos:
- Olha só que tá ali
embaixo orando pra nós! Oi de Pimba!
Àquela altura, naquele
pôr do sol ímpar, um "oi", sendo ele uma interjeição, uma saudação
carinhosa ou não, era massa! Naquela altura, mesmo sendo sendo um 'oi' a
corruptela do 'olho' dos céus, tive a certeza de que vinha do mundo fantástico
dos Costa. E foi o suficiente para eu enxergar,
com os olhos de minha saudade, todas as lembranças mágicas de meu
passado!
- Oi! Que bom voltar a
falar, sozinho, com vocês, hoje
personagens inesquecíveis de meu mundo lúdico! Que ótimo esta tarde vê-los, aí
no alto, do alto do prédio onde moro! Que massa eu os cumprimentar com o meu
'oi', mesmo este sendo de pimba, este cujas lentes estão hoje cansadas e
embaçadas de tanto tempo!
(Nailson Costa, em Conto Crônicas em Dó Maior, p. 30, janeiro, 2021)
Boa crônica Nailson. Ficou fácil para mim reconhecer tais trejeitos nos personagens, tendo em vista que sou casado com uma descendente desta linhagem que só falam gritando. Parabéns...
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