sexta-feira, 14 de junho de 2019

VIDA DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)



VIDA DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)

I
Eu também fui cantador
Repentista e violeiro.
Todo norte brasileiro
Inda lembra, sim senhor,
O meu nome, o meu valor,
A minha voz estridente.
Porém, repentinamente
A mão do destino atroz
Arrebatou minha voz,
Deixei de cantar repente.

II
Fui pelos fãs desprezado
Depois que a voz ficou feia
Mas a opinião alheia
Não me fez complexado.
Embora um pouco afastado
Da viola e do improviso,
Ainda sinto no juízo
O talento da palavra
Se tenho verso de lavra
Do que é alheio não preciso.

III
Deixei de ser violeiro
Porque cantar não podia
Mas não deixei a poesia
Da qual também sou herdeiro,
Fui trabalhar de carreiro,
Amansar bois, ter trabalho,,
Ferrar e botar chocalho.
As mãos que tanto tocavam
Agora se habilitavam
Ao peso do cabeçalho.

IV
Aprendi todo trabalho
Da profissão de carreiro:
Encangar, fazer tanoeiro,
Relho, ferrão, cabeçalho,
Chave, cabresto, chocalho,
Mesa, travessão, rodeira,
Eixo, cunha, cantadeira,
Brabo, fueiro, cocão,
Corda-de-laçar, cambão,
Chifre-de-olho e esteira.

V
Meu carro era bem zelado,
Bem feito de craibeira,
O eixo era de aroeira
Pra cantar do meu agrado
Do mesmo jeito era o gado:
Quatro juntas de boi mansos
Ordeiras nos meus avanços
Obedientes ao grito:
Mimoso, Castanho, Bonito
Era a voz para os descansos.

VI
Cansado de ser carreiro
A convite de meus manos
Eu fui trabalhar uns anos
Na profissão de vaqueiro.
Era esperto, era ligeiro
Tinha boa montaria
Montava no que queria
Sabia andar encourado
E no serviço de gado
Qualquer trabalho eu fazia.

VII
Eu era esperto de fato,
Sabia bem aboiar
Pegava em qualquer lugar,
No limpo e dentro do mato,
Tratava de carrapato,
Adivinhava umbigueira,
Extraía varejeira
De bezerro e de garrote,
Amansava novilhote,
Sabia curar bicheira.

VIII
Do meu patrão fazendeiro
Tive os primeiros auxílios
Recebi os utensílios
Para poder ser vaqueiro,
Cavalo bom e ligeiro,
Estimado na fazenda,
Bonito como uma prenda
E gordo como eu nem sei,
De todos quantos montei
Foi mesmo o bom de encomenda.

IX
Loro, estribo, cilha e sela,
Rédeas, bride, cabeção,
Borraina, guardaba, arção,
Passador, furo, fivela,
Argola transa barbela,
Suador, couro e bruaca,
Uma pequena bisaca
De conduz\ir a mistura:
Carne assada e rapadura
Queijo de leite de vaca.

X
Aprendi tratar de gado,
Assinar, ferrar, castrar,
Tirar couros, espichar,
Traquejar touro raçado.
Zelar com todo cuidado
Os animais do patrão
E conforme a ocasião
Se me fosse necessário
Era até veterinário
Quando havia precisão.

XI
Um dia tive vontade
De abandonar o sertão,
Entreguei tudo ao patrão
O gado, a propriedade.
E retornei à cidade
Pra ver se ainda podia
Recobrar a alegria
De doze anos atrás
Foi tarde, não pude mais
Fazer o que pretendia.

XII
Ao ver-me sem condição
De cantar para viver
Procurei por um dever
Buscar outra profissão.
E a única solução
Era pegar no pesado,
Com a esposa do meu lado
E quatro filhos pequenos
Sem recursos, mais ou menos,
Eu estava desmantelado.

XIII
O meu serviço primeiro
Foi batedor de tijolo
Depois vendedor de bolo
Ajudante de padeiro,
Lambaio de padaria
Limpador de estrebaria
Tangerino de boiada
Fabricante de cocada,
Guarda noturno e vigia.

XIV
Depois disso fui leiteiro,
E vendedor de carvão,
Apanhador de algodão,
Lenhador e cambiteiro,
Fui batedor de pandeiro,
Tocador de concertina
Fui limpador de sentina,
Reformador de chapéu,
Espoleta xeleléu
De posto de gasolina.

XV
Fui mestre de batucada
Almocreve, galinheiro,
Carregador, balaieiro,
E tirador de empreitada
Fui chefe de farinhada
Empregado de cozinha,
Fabricante de bainha,
Fui vendedor de pipoca,
Moedor de mandioca,
E torrador de farinha.

XVI
Fui arrancador de dente,
Charlatão e meizinheiro,
Curador e garrafeiro,
Fui vendedor de aguardente,
Fui criador, fui servente,
Mestre de fazer sabão,
Calunga-de-caminhão,
Amansador de cavalo,
Juiz de briga de galo
Inspetor de quarteirão.

XVII
Fui banqueiro de bozó,
Fui mestre de candomblé,
Porteiro de cabaré,
Mestre-sala de forró,
Fui caçador, fui coró,
Mesmo sem poder dar grito,
Fabricante de palito,
Mas nada valeu a pena,
Fui tirador de novena
E cantador de bendito.


Digitado do livro


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