TOQUE DE AMOR
Valdenides Cabral de
Araújo Dias
Nena existiu, eu vi, nesse lugar
onde guinés, galinhas e pintos obedecem ao comando de voz de José, seu irmão
mais velho. Desde cedo aprendeu a olhá-lo como ser duplo. José sempre foi, para
ela, o homem rude e sereno, o sério e o palhaço que a fazia rir nos tempos de
menina. José é o que cava a terra com os olhos pregados no céu. Um vaqueiro de
muitos silêncios e poucos bichos.
De olhar preso no horizonte, onde
Cacimbas é apenas um topônimo, ele a ensinou, um dia, a enxergar longe no
escuro da noite e a ver, na luz dos vagalumes, a cor de seus sonhos. Homem de
poucas palavras e profundas reflexões, José assimilou uma e outra margem de um
açude que, quando seca, ele próprio se transforma na terceira margem, para
sobrevivência sua e de seus bichos. Foi longe disso que Nena cresceu, mas disso
tudo sabia. E sentia.
Nena cresceu longe dele. Foi em
busca dos sonhos que viu, um dia refletidos na luz dos vagalumes. José,
planta(n)do a terra, fincado, ficado, ficando na casa onde nasceram, arando o
chão, colhendo o que a chuva permite. A casa, José, as teias de aranhas
descendo pelas paredes, o rádio num canto da sala, os potes de água de beber na
despensa, a porteira do curral dentro da sala de jantar. O muro da casa caído,
a frente da casa, caiada.
Ontem mesmo, tive plena certeza de que Nena ainda existe naquele lugar.
Isso digo porque a vi, ontem, tocando a mão de José, depois de um longo tempo
de ausência, e fotografando com os olhos o chapéu velho do irmão mais velho,
que a levou aos seus oito anos. Também as linhas tortas da casa, as lamparinas,
o jirau de um queijo imaginário. E o mesmo sorriso longo e franco de José,
agora sem dentes. O que eu vi, o que eu senti, foi um toque de amor.
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