MÃE ANINHA DO CÉU (Gilberto Cardoso dos Santos)
Não era minha mãe, mas aprendi a chamá-la de mãe Ana. Quando
minha verdadeira mãe morreu, eu tinha menos de quatro anos. Nada entendi
daquele momento. Enquanto a velavam na casinha onde – ainda não sabia eu – passaria
a morar, eu brincava e ria embaixo da mesa. Alguém me repreendeu pelo
comportamento irreverente, e muito chorei por isso. Dali saiu mamãe para o
cemitério, e ali fiquei sob a tutela desta segunda mãe, eu, dois irmãos e uma irmã.
Minha mãe legítima também havia sido criada por ela. Ela
própria nunca tivera filhos. Acreditamos que fosse estéril. A ela se referiam
como Dona Ana, ou Ana do finado Mané João, a quem não tive oportunidade de conhecer.
Cedo vieram as peripécias próprias de cada idade. No telhado suportado
por caibros e varas tortas, via-se um
pedaço de mangueira, pouco mais de meio metro. Não estava ali para cumprir a
real função para a qual havia sido feita – a de conduzir água – todavia tirava
água dos meus olhos, e como tirava!
A cada ato infracional, a cada pecado, eu era instado a olhar
para o alto. Mirava, para além das telhas, para o olhar severo de Deus; mas o que eu
via mesmo era a mangueira que parecia hibernar à semelhança de cobras, à espera
do momento de ser empunhada pela vigorosa mão de minha avó e picar-me aparentemente sem piedade. Raras vezes ela
dali a retirava. Com severidade similar à dos profetas velho-testamentários, a
apontava e fazia promessas nada agradáveis. Apenas isso - o ato de mostrá-la - tinha
enorme efeito sobre meus instintos rebeldes.
Às vezes, porém – raríssimas vezes -, eu não era dono de mim e
cometia falhas imperdoáveis. Mesmo a casa sendo baixa, dona Ana precisava ficar
na ponta dos pés, como bailarina, e estendia o braço para retirá-la. Eram
instantes enlouquecedores. Se eu tentasse correr, vinha a ameaça de que a surra
seria maior. Sem sair do lugar e seguro pelo braço, aguentava a primeira
lamborada nas pernas. A dor era lancinante. Eu não resistia e começava a gritar
pedindo misericórdia, por mais que ela ordenasse que calasse a boca. Desde a
primeira vez que apanhei passei a fazer uso de um vocativo; este, espontaneamente brotava do fundo de meu desespero: Mãe Aninha do céu.
Enquanto pulava igual pipoca no caco, gritava mais ou menos
assim: “Ai! Ai! Dê mais não, mãe Aninha do céu!
A cada surra, os vizinhos ouviam a expressão inusitada e isto
se transformou num bordão e apelido. Riam de mim enquanto repetiam “Ai, mãe
Aninha do céu!”
Mãe Aninha do céu era algo que eu dizia apenas quando era
castigado. Fora isso, chamava-a apenas de mãe Ana.
Hoje, mais do que nunca, vejo quanto foi do céu aquela que
tomou conta de mim e de meus irmãos quando mais precisávamos. Se hoje pudesse
vê-la, não necessitaria estar com a mangueira à mão para me ouvir chamá-la
assim.
Sua posse na academia de cordel do estado não é para menos. Estou aqui emocionada com sua crônica de família. Mãe Aninha do céu, nem sabia ela que faria desse menino, um homem de coração tão grande. Esse texto me emocionou tanto quanto aquele que você escreveu para a professora Valdenides Cabral Dias. Não consegui conter conter a sequência de lágrimas. - Débora Raquiel Lopes
Ana Glória: Corcordo com você, amiga Debora Débora Raquiel Lopes...texto emocionante!! E grande escritor, grande coração...
Belíssimo conto, querido. Parabéns, apesar da perda. Mas nessas horas , a escrita tem poder curador. -
Valdenides Cabral Dias
Excelente memória.
Coisas que os sentidos conservam pela eternidade, pois os sentidos são a porta da alma. Se for compreendido ou aceito, será edificação, do contrário, será nocivo e prejudicial. -
Coisas que os sentidos conservam pela eternidade, pois os sentidos são a porta da alma. Se for compreendido ou aceito, será edificação, do contrário, será nocivo e prejudicial. -
Ubirajara da Rocha
Linda história. Por isso vc é quem é E tem tamanha sensibilidade -
Juciana Soares
Grande professor Gilberto Cardoso Dos Santos, texto muito triste, porém não deixa de ser emocionante e belo. - Luciana Souza
João Edilson Da Silva Fontes: Aninha no céu, mangueira nas pernas, metal lapidado, eterno poeta, ouro de primeira.
Selma Crisanto: Emocionante amigo!
Jaci Azevedo:
Sensível e verdadeiro como tudo o que vc escreve.
Adriano Bezerra: Muito emocionante, poeta! Com brilhantismo, você nos faz enxergar cada cena vivida ali por você. Parabéns!
Joseni Santos: Um maestro das letras e das palavras. Tocante e emocionante. Parabéns Gilberto Cardoso Dos Santos!
[15:27, 28/1/2018] Zé Da LuZ (Professor): Uma bela e autêntica crônica à sua mãe Aninha do céu. 🙏👏👍 - Prof Zé da Luz
Jaci Azevedo:
Sensível e verdadeiro como tudo o que vc escreve.
Adriano Bezerra: Muito emocionante, poeta! Com brilhantismo, você nos faz enxergar cada cena vivida ali por você. Parabéns!
Joseni Santos: Um maestro das letras e das palavras. Tocante e emocionante. Parabéns Gilberto Cardoso Dos Santos!
[15:27, 28/1/2018] Zé Da LuZ (Professor): Uma bela e autêntica crônica à sua mãe Aninha do céu. 🙏👏👍 - Prof Zé da Luz
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