domingo, 28 de maio de 2017

A ingratidão no banco (dos réus) - Gilberto Cardoso dos Santos



A ingratidão no banco (dos réus)

Vez por outra algo inesperado acontece e quebra nossa rotina, leva-nos a reações e a situações inesperadas. Outro dia, por exemplo, quando ia saindo do banco – assustado com a onda de violência que assola o país - fui procurado por uma bela mulher que assim me abordou:
- Ei, psiu! 
Como não é todo dia que uma mulher nos dá psiu, retornei solícito para saber o que ela queria.
-Esse celular é seu? - completou ela. E exibiu um aparelho de tamanho médio. Não dava para saber se era top de linha, mas era um celular.
Tão atrativo era o aparelho que, apesar da capa cor-de-rosa, fiquei em dúvida se seria meu ou não. O fato é que é que eu havia deixado o meu em casa tomando carga e isso não me deixava alternativas.
Após pequena pausa e grande relutância, respondi que não era meu. E a jovem senhora, com o celular erguido como quem faria uma self, indagou em voz alta aos demais:
- Alguém aí é dono deste celular?
E nada de o dono ou dona aparecer; alguns menearam a cabeça negativamente e outros responderam com um monossilábico e relutante não. Mas ela insistiu na pergunta e finalmente uma respondeu ao longe:
- É meu!
Enquanto a suposta dona se aproximava, olhei para a mulher, aproximei-me dela e disse:
- Ei, minha senhora, parabéns pelo que fez! Outros não teriam tido essa preocupação que teve ou simplesmente teriam levado o celular “perdido”. Você mostrou claramente que é uma pessoa do bem, honesta e digna de toda admiração.
Ela surpreendeu-se com o elogio e sorriu. Finalmente, uma senhora magra puxando uma criança esquálida aproximou-se, estirou a mão e disse: - Sim! É meu!
A mulher entregou o celular, mas a dona não correspondeu às expectativas - pelo menos às minhas. Não expressou qualquer sinal de agradecimento. Afastou-se visivelmente irritada.
Saí do banco insatisfeito com o desfecho da história. A dona do celular saiu também em seguida, com aspecto transtornado, arrastando a filha.
Mesmo sem conhecê-la, perguntei-lhe o óbvio: - A mulher achou seu celular, não foi?
Respondeu ela:
- Sim, era meu. Foi a abestalhada dessa menina que deixou na mesinha. Parece que é doida, não presta atenção no que faz!
Disse isto e olhou enfurecida para a criança que ainda não completara uma década de vida.
Atrevidamente, perguntei-lhe:
- A senhora agradeceu à mulher?
Ela mostrou-se surpresa com a pergunta, deu uma travada nos movimentos faciais e após breve pausa disse-me que não. Tinha ficado tão agitada na hora que nem se lembrou de agradecer. E deu mostras de querer ir embora.
Como aparentava estar cônscia de seu erro, fui injuntivo:
- Volte lá; procure-a e agradeça pelo que ela fez.
- Ela parou, pareceu refletir, acatou minha “ordem” e disse:
- É mesmo, né? Eu vou lá.
Foi, mas parou ao pé da calçada do banco, justificando-se:
- Eu acho que não vou não. Nem prestei atenção nela. Não sei mais quem é.
Insisti, acossado por um zelo moral que não me é peculiar:
- Vá assim mesmo; pergunte aos que estão no banco; procure. É tão raro alguém fazer o que ela fez... Outro simplesmente teria pegado seu celular e levado. Pessoas assim merecem ser elogiadas.
E foi assim que ela, constrangidamente decidida, retornou ao banco com a menininha para agradecer.
Não fiquei para ver o desfecho que induzira. Saí dali imaginando que fizera a coisa certa e meditando na importância que a gratidão tem em nossas vidas, em seu potencial para promover o bem.
As pessoas têm fome de reconhecimento e merecem ser elogiadas principalmente quando procedem com altruísmo. É o mínimo que se pode dar a alguém que procede eticamente: um elogio.
Enquanto prosseguia e meditava nestas coisas, senti-me beliscado por uma dúvida: Por que será que a mulher perguntou justamente a mim se aquele celular de capa cor-de-rosa era meu? Será que achou que eu era gay? Mas afastei esta ideia boba e pus-me a meditar na cena daquela mulher chicoteando verbalmente a menininha; pensei na propensão que temos para a crítica; pomos ênfase nas reprovações e somos omissos na expressão de bons sentimentos.
Demonstrações de gratidão fazem bem não apenas a quem as recebe; quando escancaramos a porta para este sentimento, somos felizes. Louvar, elogiar, agradecer, são verbos que fazem muito bem. Quando buscamos razões para agradecer, vemos o lado otimista das coisas e assim, pensando positivamente, afugentamos sensações negativas. Para nós e para quem louvamos, a felicidade mostra-se mútua.
Quando em casa, resolvi por em prática o que ensinara à mulher. Mal cruzei o portão, elogiei à esposa pela arrumação da casa.
- É muito bom ter uma companheira como você: tão limpa, tão organizada, tão ciosa de suas coisas. Se eu fosse uma visita, ficaria encantado em entrar aqui.
Ela sorriu, mas a la Mona Lisa, meio enigmática.
Tomei banho e fui à mesa, almoçar. Taquei outro elogio:
- My love, é muito bom chegar em casa e encontrar a mesa tão belamente arrumada; uma comida com este visual. Bem-aventurado é o homem que tem uma esposa como você.
A mulher não resistiu:
- Me diga uma coisa, o que foi que você andou aprontando por aí? Por que você está me dizendo isso? Você não é assim! Você está agindo como marido quando apronta alguma coisa lá fora. Desembucha aí, o que você andou aprontando?
Não foi nada fácil convencê-la, e o almoço não transcorreu como planejei. Acabamos em uma leve rusga, mas valeu a pena. Ela estava certa em estranhar, pois aquilo não era comum no dia a dia!
Bem, se você perguntar a ela se isso de fato aconteceu, penso que vá negar e talvez esteja falando a verdade. Portanto, deixe pra lá sua curiosidade e contente-se com a lição. Como disse Esopo, “A gratidão é a virtude das almas nobres. Tentemos, a partir de hoje, seguir o conselho de Masaharu Taniguch: “Expresse gratidão com palavras e atitudes. Sua vida mudará muito de modo positivo.”

Vamos lá! Mãos e palavras à obra.

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