segunda-feira, 10 de junho de 2019

DOENÇAS DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)



Ilustração digitalizada do livro SABEDORIA DE CABOCO

DOENÇAS DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)


I
Caboco trabalhador
Não paga I.N.P.S.
Por isso quando adoece
Não vai atrás de doutor,
Vai atrás de rezador
Que reze o mal que ele sente
Isto vem de antigamente
De muitos anos atrás:
Do tempo de Pai Tomaz,
Preto Velho e Pai Vicente.

II
Curavam ventre caído
E nervo desconjuntado,
Enxaqueca, mal de olhado,
Azia, pé desmentido,
Constipação, dor de ouvido,
Queimadeira, corpo quente,
Mal de monte, dor de dente,
Cobreiro, coceira, antraz,
Levavam pra Pai Tomaz,
Preto Velho e Pai Vicente.

III
Equizema, erisipela,
Empingem, sarna, puxado,
Indigestão, bucho inchado,,
Dor de veado, espiela,
Queimor, ou fogo-de-goela,
Dormência, mal-de-demente,
Coisa botada na gente,
Por arte de Satanás,
Levaram pra Pai Tomaz,
Preto Velho e Pai Vicente.

IV
Cabeça mouca, zonzeira,
Tribuzana, trevalia,
Asma, malina, agonia       ,
Suor frio e tremedeira,
Vermelhão, bouba, frieira,
Gôgo, febre intermitente,
Mordedura de serpente
Papeira e fogo voraz,
No tempo de Pai Tomaz,
Preto Velho e Pai Vicente.

V
Sete-couros, panarício,
Unheiro, cravo, canseira,
Reumatismo, batedeira,,
Catimbó ou malefício,
Extravagância, estropício,
Chega-e-vira, renitente,
Calor de fígado doente,
Ramo e outras coisas mais,
No tempo de Pai Tomaz,
Preto Velho e Pai Vicente.

VI
Leseira e inflamação,
Prisão de ventre, gastura,
Banzo, caxumba, secura,
Dor de cabeça, inchação,
Sapiranga, amarelão,
Mal de cachorro doente,
Tosse braba impertinente,
Coisas subnaturais,
No tempo de Pai Tomaz,
Preto Velho e Pai Vicente.

VII
Tudo isso o rezador
Mais ou menos entendia,
E a reza dele servia
Havendo a fé, sim senhor.
Mas quando o seu portador
Tinha o pensamento mau
Ele passava um quinau
Adivinhando a descrença,
Então curava a doença
Com folha e raiz de pau.



Foto do autor extraída do exemplar desgastado


Poema extraído do livro

domingo, 9 de junho de 2019

MEIZINHAS DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)

Ilustração do livro Sabedoria de "caboco"

MEIZINHAS DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)

I
Jurema-preta, agrião,
Angico-branco, bardana,
Cardo-santo, oitú, badiana,
Pimenta-dágua, pinhão.
Begônia, barbatimão,
Carqueja, carobaçu,
Carnaúba, mulungu,
Jurubeba, juazeiro,
Manjerona, marmeleiro,
Umburana e cumaru.

II
Japecanga, jamelão,
Jalap, salsaparrilha,
Malagueta, maravilha,
Maria-preta, jalão,
Mamona, manjericão
Manacá, majerioba
Parreira, paraparoba,
Anil, aroeira, angélica,
Babosa, arruda, arcangelica
Marva-branca e maniçoba.

III
Jaborandi, jatobá,
Tento, tejuco, timbó
Guaraná, guaratimbó
Fedegoso e mancá
Musambê, malva, jucá,
Jurema-branca, jasmim
Alcoforreira, capim,
Erva-moura, nhandiroba,
Endro, mastruço, caroba,
Pega-pinto e alecrim.

IV
Raízes de marmeleiro,
Chá de folha de mamão,
Hortelã, manjericão
Entrecasca de cajueiro
Urtiga, fava-de-cheiro,
Bom-nome, favela-braba
Folha e raiz de goiaba,
João-mole, angico, aroeira,
Alfavaca, catingueira,
Mapirunga e catuaba.

V
Cebola-branca, gitó,
Carrapateira, urucana,
Mata-fome, jitirana,
Beldroega, ipê, oró,
Canafístula, timbó,
Pau-de-resposta, alfavaca,
Burinhen e quebra-faca,
Capim-santo, goiabeira,
Sucupira, quixabeira,
Pau-ferro e feijão de vaca.

VI
O doente tendo fé,
Usava como alimento
Banho, lavagem, unguento,
Xarope ou escalda-pé,
Ou tomava no café
Conforme fosse a receita,
Pois quem está fraco respeita
A voz de quem é mais forte
Quem está nas portas da morte,
Qualquer remédio ele aceita.


Capa do exemplar de onde transcrevi o poema acima:

Esqueceram o dever de casa - HERALDO LINS





Esqueceram o dever de casa

O perdão anda na boca de muita gente, quiçá de todos. Ao pé da letra, ao ar deve-se pedir perdão por poluí-lo. À água, pelo mesmo motivo. Indo à raiz da questão deve-se implorar perdão a todo instante por permanecer produzindo dejetos ininterruptamente.

Ninguém jamais perguntou ao filho se ele, caso pudesse decidir, os escolheriam como pais. Alguns acreditam ser uma imposição torturante ter que aceitar nascer em qualquer lugar, filho de quem quer que os gere, e ainda Amá-los. Machado de Assis disse: "não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria".
Ninguém pede para nascer. Muitos ficam tristes quando alguém, insatisfeito, procura corrigir isso com o suicídio. Há quem defenda que com o aperfeiçoamento da raça humana, irão criar um departamento exclusivo para tratar desse assunto. Providenciar uma passagem sem traumas nem vergonhas para sair desse mundo.
Alguns traficantes eliminam seus devedores em comum acordo. Há uma conivência em fornecer droga e depois assassiná-los por falta de pagamento.
As drogas fazem sucesso exatamente por isso. Procura-se sair lentamente de forma agradável. Desaparecer para bem longe sem ver as caras dos vizinhos, parentes ou colegas de trabalho é um sonho de muitos. Muitos dizem que falta Deus na vida das pessoas. Outros dizem que falta lógica. Viver trabalhando sem descanso apenas para cumprir o ciclo vegetativo das células parece, para uns, não muito sábio. Eu, Heraldo Lins Marinho Dantas, peço perdão por trazer à tona essa questão.
Natal/RN, 21.05.2019.

Saiba mais sobre o autor em

sábado, 8 de junho de 2019

UMA RELÍQUIA DE JOSÉ ALVES SOBRINHO, POETA E VIOLEIRO - Por Gilberto Cardoso dos Santos


Trago comigo, desde os dez, onze anos de idade, o livro SABEDORIA DE CABOCO,  do poeta e violeiro  José Alves Sobrinho (1921 - 2011). Sempre que necessitei mudar-me de cidade ou de casa, tive o cuidado de trazê-lo comigo. Muitas foram as obras que doei ou joguei fora ao longo dos anos, menos esta. Serviu de deleite não apenas para mim, mas também para as traças, que a deixaram cheia de buracos. Trata-se de um opúsculo com cerca de 80 páginas. Achei que o havia perdido em uma reforma na casa, mas reencontrei-o recentemente. Penso em digitá-lo e disponibilizá-lo aos poucos, pois é digno de todo espaço e atenção no mundo virtual. Um de meus  poemas preferidos é o Falares de "caboco", abaixo transcrito.






 O livro tem uma única e pequena orelha, onde vemos uma minibiografia do autor:























Foto do autor no livro



FALARES DE “CABOCO” (José Alves Sobrinho)

I
Creia-me vossa mercê
Que eu não sou homem de jogo
De beber, de puxar fogo
De frequentar cangerê
Pelo meu jeito se vê
Que eu não sou homem pachola
Nunca fui em uma escola
Mas aprendi no roçado
Cortar de foice e machado
Cantar e tocar viola.

II
Nunca gostei de folia
Encrenca nem mexerico
Conversa-mole, fuxico,
Lambança e patifaria,
Lambacé e arrelia,
Zuada, pantim, besteira
Só saio de casa pra feira
Pra missa ou pra meu roçado,
Com mulher padre e soldado
Nunca tirei brincadeira.

III
Não gosto de tramamoca
Calote, tafularia,
Pechinchage, ninharia,
Manha, denguinho, potoca,
Sou caboco sem caroca
Sem patuá, sem pantim,
Fulerage, tranchinchim,
Conversinha, cacueado,
Arrodeio compra-fiado,
Toda vida fui assim.

IV
Tenho banha no toitiço,
Não acredito em macumba,
Coisa botada, quizumba,
Patifaria e feitiço,
Cafifa no meu serviço,
Quem botar é quem se acaba,
Aborreço gente braba
Que gosta de leva e traz,
Nem creio que o satanás
Vá na minha capoaba.

V
Dentro do meu quinquingu
Caboco nenhum furdunça,
Pois não gosto de bagunça
Zuada nem sanguangu.
Se eu abrir um sururu
Não fica só em banzé,
Não gosto de telelé,
Chalerismo, adulação,
Munganga, cavilação,
Gachimonho nem rapapé.

VI
Nunca gostei de lorota,
Nem me assombro com careta,
Mangação, pilhéria, xeta,
Bazofia, pasquim, marmota,
Nunca fui escova-bota,
Chaleira, nem puxa-saco,
Comigo é taco por taco, 
Não sei falar resmungando
Isso de andar cochichando
É coisa pra homem fraco.

VII
Odeio a cavilação,
Comigo não tem gaguejo,
Pois só creio no que vejo,
No que pego com a mão.
Acredite, meu patrão,
Que eu nunca gostei de intriga,
Não gosto de apartar briga,
Nem pabular, nem mentir,
Tanto me faz engolir,
Como amarrar na barriga.

VIII
Não gosto de enxerimento,
Falação, nem bafafá,
Gabolice, trafuá,
Gaiatice, cabimento,
Porque tenho acanhamento,
Nunca fui intrometido,
Também nunca dei ouvido
A moça namoradeira,
Mulher casada chifreira,
E homem velho enxerido.

IX
Acho coisa muito feia,
E até vergonha pouca
Quem anda batendo boca
Falando da vila alheia.
Isso é pra cabra de peia
Não é pra homem direito,
Sim, quem ninguém é perfeito,
Porém quem tem essa tara
Não tem vergonha na cara
Nem sentimento no peito.








sexta-feira, 7 de junho de 2019

PONDERAÇÕES SOBRE A CAVERNA, DE JOSÉ SARAMAGO - por Domingos Cardoso


A Caverna
                                           de
                                  José Saramago


Gostaria de começar com uma confissão pública:
Eu nunca tinha lido Saramago!!!
Porquê? Por aquilo que fui ouvindo dizer aqui e acolá: que era pedante, que era convencido, que não usava pontuação, porque alguém tinha começado a ler e tinha desistido, porque disse uma vez na biblioteca de Faro que quando estava com insónias ditava o que lhe vinha à cabeça para um gravador e ao outro dia a Pilar passava para o papel, porque era comunista…

Eu prefiro dizer que vivíamos, eu e ele, numa certa indiferença, ou melhor, num grande alheamento mútuo: ele, no seu génio, não precisava, para nada, que eu o lesse; eu, na minha auto-suficiência, achava que não precisava de o ler para ser mais humano e mais culto.

Do que disse atrás podem tirar-se, no mínimo, duas conclusões: uma delas, não sei se a primeira ou a mais importante, é que nunca devemos pensar pela cabeça dos outros; antes, devemos ser nós a formar as nossas opiniões em vez de adoptar as alheias como nossas, julgando-as válidas.

A outra conclusão é a de que se havia alguém que estava a perder com este distanciamento, esse alguém era somente eu.

Por isso estou grato à Comunidade de Leitores da Biblioteca, em geral, é à Dra Maria Helena Malaquias, em particular, por me terem proporcionado esta epifania já que de uma verdadeira revelação e descoberta se tornou, para mim, este primeiro contacto com José Saramago.



Penso ser legítimo pensar que um texto publicado, apesar de continuar a ser propriedade do seu autor, já não lhe pertence e cada leitor poderá interpretá-lo conforme o seu entendimento e a sua sensibilidade.

Sendo assim, o que é que eu li e vi, ou adivinhei, neste romance? Qual foi o impacto que a leitura deste livro teve na minha mente?

Na minha visão a história contém três recomeços: o primeiro, mais discreto e quase imperceptível, é o aparecimento do cão na vida das personagens e talvez não seja inocente o facto de ele ocorrer após uma visita de Cipriano ao cemitério onde repousava a sua esposa.

As outras duas são mais notórias e explícitas: a segunda é o fabrico dos bonecos e a terceira e última é a partida dos dois casais para a aventura de uma nova vida.

Poderá parecer que a mudança da família para o Centro é, também ela, uma mudança mas na minha opinião ela é apenas o intróito da última e grande mudança que é o abandono da casa e o rompimento claro e definitivo com o tipo de vida que tinham levado até aí, numa espécie de rebelião nunca pressentida.

Das personagens intervenientes na história a que mais me intriga e fascina é a do guarda Marçal que nos é apresentado como uma pessoa certinha, asséptica, de certeza bem escanhoado, impecável na sua farda bem engomada, servil e fiel cumpridor de todas as regras por mais absurdas que possam parecer.

É um burocrata das relações humanas, bem comportado e fiel zelador do cumprimento de todas as cláusulas do regulamento interno. Aliás, a promoção e a cedência de um apartamento no condomínio é uma nítida recompensa do seu servilismo e subserviência e a sua promoção mais parece a cenoura que se mostra ao burro e que o faz caminhar.

Outra figura, aparentemente secundária nas com uma grande força e influência no desfecho da história, é a de Isaura especialmente quando diz que abraçava o cântaro na impossibilidade de abraçar o oleiro e quando confessa ter dormido na cama deste durante a sua ausência no Centro levando-o a declarar que ela não tornará a dormir noutra que não a dele.

Aliás, a leitura do livro é feita esperando dois momentos: um, a explicação para o título escolhido para a obra e a outra é o momento da assumpção do amor entre o oleiro e a Isaura.

Ficámos a saber (se é que ainda não soubéssemos…) que não basta o amor para duas pessoas se encontrarem. São precisas condições materiais e chega a doer a declaração de Cipriano quando constata que não tem nada de material para oferecer a Isaura.

Especulando um pouco, podemos ver aqui os escrúpulos que o autor terá sentido antes de assumir a sua relação com Pilar. Poderia não ter problemas materiais a impedi-lo de dar esse passo mas teria o problema da diferença de idades.

O autor, por várias vezes, dá-nos conta da sua condição de narrador; citarei apenas duas: a primeira, logo no início quando nos diz que a Marta está grávida mas que ela ainda não o sabe e a última, talvez o momento mais bonito do livro, ocorre quando ele ordena que nada se mexa, que ninguém fale, que tudo se suspenda porque o Cipriano e a Isaura vão cair nos braços um do outro.

O autor serve-se e usa as palavras como poucos eu tenho visto fazer. Repete, descodifica, esmiuça até a ideia ficar completamente nua e visível.

Vejamos apenas como ele descreve a ausência da mulher que o deixou viúvo: “Cipriano Algor aproximou-se da sepultura da mulher, (…) três anos sem aparecer em parte nenhuma, nem na casa, nem na olaria, nem na cama, nem à sombra da amoreira-preta, nem sob o sol esbraseado da barreira, não voltou a sentar-se à mesa nem ao torno, não retira as cinzas caídas da grelha nem vira as peças que estão a secar, não descasca as batatas, não amassa o barro,(…) (pág. 45).

No início da pág. 71 disserta sobre a validade das frases feitas desmontando o seu significado e na pág. 127 cita palavras como se fossem “um bando de aves que se cansasse de voar e descesse das nuvens (…)”.

Impressiona a imaginação do autor e a enumeração das coisas quase até à exaustão. É o que acontece na pág. 75 com a relação dos bonecos encontrados na enciclopédia, e nas págs 277 e 308 em que cita o que se pode encontrar e fruir no shopping do Centro.      

O Autor fala de coisas simples mas pela dignidade que lhes confere transforma situações banais em momentos perenes contidos em frases concisas carregadas de sabedoria.

Outras vezes disserta longa e labirinticamente sobre acontecimentos, sentimentos, pessoas, realidades, conjecturas, etc, como o faz ao descrever o processo pelo qual as instruções emanadas pela mente chegam aos cérebros dos dedos que dão forma e fazem reais o que foi imaginado.

“Como se nos quisesse meter no coração” (pág. 272) explica-nos a razão de “numa escada, aqueles que não descem, sobem, e aqueles que não sobem, descem.” (pág.324).

Melhor não diria Monsieur de La Palice mas a verdade é que são constatações deste tipo que aproximam o leitor da arte de contar uma história.

E esta está repleta de frases antológicas de que citarei apenas algumas, para terminar esta minha apreciação breve e despretensiosa:

“Para que o céu se abra é preciso que uma porta se feche” (p. 343),
“Quando estamos a perguntar por alguém estamos a dizer de nós próprios muito mais do que se poderia imaginar” (p. 340);
“As palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem (p. 77),
“Não vale a pena esperar conclusões só porque resolvemos parar no meio do caminho que nos levaria a elas.” (p. 28),
“Até a tesoura come pano quando corta” (citado de cabeça).

Espero que tenham gostado tanto de ler este volume como eu apreciei a sua leitura.





                                                                Domingos Cardoso
                                                                    Abril de 2018



NOITE INVERNOSA - Marco Haurélio


NOITE INVERNOSA

Tive um pesadelo na noite passada:
Sonhei que o Fascismo galgava degraus,
Que o povo aclamava verdugos tão maus
Sem ver o perigo no fim dessa estrada,
O sangue inocente jorrar na calçada
E a peste sombria seus dentes mostrar.
Verdade ou delírio? Não sei explicar,
Pois já não consigo ter serenidade
Num mundo tomado por ódio e maldade
Nos campos, nos prados, na beira do mar.


Sonhei que a Justiça servia ao demônio,
Vergando-se à sanha dos torturadores
E a terra tomada por gritos e dores
Torcia-se se diante do vil matrimônio,
Enquanto o chicote mostrava ao campônio
Que a noite invernosa chegou pra ficar.
Na alcova, a donzela de ferro a quebrar
Os ossos, o espírito, e sem resistência,
Findar apagando qualquer consciência
Dos gritos calados na beira do mar.


Tinido de ferros, ferozes coturnos,
Direita volver na volúpia de sangue,
Fogueira de livros, sujeira no mangue,
Os mochos e os lobos nos bailes noturnos,
O guarda da esquina com gestos soturnos
Cerrando as cortinas do véu do luar,
O vinho entornado na mesa do bar
O corpo à espera de uma alma que o cubra,
E a água que corre parece tão rubra
Que tinge o horizonte na beira do mar.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

MENTES POLUÍDAS - Gilberto Cardoso dos Santos



P.S.: Uma pessoa amiga, muito querida, tentava, pelo WhatSapp, vender um produto para clareamento de pele e perguntou se eu tinha manchas na axila. Mandou uma foto da solução e eu achei por bem tirar uma foto e enviar com a legenda "Veja se necessito". Daí nasceu a estrofe.

Análise de ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Por Domingos Cardoso)


Ensaio sobre a cegueira
José Saramago

[...]

Se há livros cuja leitura nos pode incomodar e deixar pouco
confortáveis este será, seguramente, um deles.

É verdade que nem todos os livros servem para nos
distrairmos apresentando-nos um mundo fácil, risonho onde
tudo é leve, agradável e prazenteiro, onde todas as
personagens são boas pessoas ou bem-intencionadas.

Como diz o poeta da canção, há sempre um lado lunar em
todas as pessoas (e coisas ou situações, acrescentaria eu…).

Porém, muito mais do que um lado lunar, o “Ensaio sobre a
cegueira” dá-nos uma visão caótica, dantesca, aterradora,
aflitiva, pessimista e arrepiante dum acontecimento
hipotético que nos deixa a pensar na maneira como
reagiríamos ou como nos comportaríamos se fossemos
submetidos a uma provação igual à que é narrada no livro.

Daí, o abanão nos ombros, a bofetada na cara, o murro no
estômago que sentimos durante a leitura destas mais de
trezentas páginas.

Suponho que, intencionalmente, as personagens não têm
nome próprio para mais facilmente as sentirmos
desumanizadas numa sucessão de vicissitudes que nos
incomodam, repugnam, causam nojo e, não raras vezes, nos
fazem dizer arrh…

É isto que dizemos quando imaginamos as personagens cegas
a fazerem o alívio matinal de escarros e ventosidades ou a
defecar, primeiro, nos corredores do manicómio e, depois,
nos passeios das ruas da cidade.

É este arrepio que sentimos quando imaginamos sermos nós
a pisar esses montes de excrementos, a tropeçar no lixo ou
nos animais mortos, a não termos água para nos lavarmos, a
cheirarmos a putrefacção dos cadáveres, a sermos
testemunhas de cenas escabrosas de sexo violento imposto
que, por não consentido, para além de aberrante, se torna
repugnante.

Este é um dos livros que dão razão a quem diz que uma
biblioteca é o lugar onde se pode perder a inocência sem
perder a virgindade.

Quero aqui declarar que não acredito que todos os cegos “de
longa data”, digamos assim, sejam, pessoas de má índole,
facínoras, ladras e perversas como as que nos são
apresentados por José Saramago.

E mesmo que as haja individualmente acho pouco provável
que se tenha reunido um tão grande grupo delas durante a
quarentena com propósitos tão desumanos e procedimentos
tão vis.

Mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, reconforta saber
que o Autor os castigou com o fogo purificador dum
incêndio.

Sei perfeitamente que, dentro da ficção, tudo é permitido e
todos devemos esperar tudo. Mas nesta obra há momentos
em que nos parece impossível que pessoas cegas possam
executar a movimentação e ter a desenvoltura de movimentos
que são descritas o que nos leva a pôr em causa a
verossimilhança das descrições.

Inverossímil pode também considerar-se o facto de a mulher
do doutor continuar a ver, no meio daquela epidemia geral,
mas se tivesse ficado cega, como os outros, o Autor não teria
olhos para fazer a narração e não haveria história…

Da leitura feita quero guardar uma imagem e uma frase
colhidas, curiosamente, da mesma página: “Se os teus pais
voltarem, encontrarão dependurada no puxador da porta
uma madeixa, de quem poderia ela ser senão da filha,
perguntou a mulher do médico, Dás-me vontade de chorar,
disse a rapariga dos óculos escuros”.
Já a frase “O puxador da porta é a mão estendida de uma
casa” é das mais belas e mais profundas que encontrei em
todo o livro.
Para terminar gostaria que me dissessem qual a vossa
interpretação das frases finais da obra: “Depois levantou a
cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minha vez,
pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda
ali estava”.
Afinal, a mulher do médico ficou cega ou não? Dado que a
cegueira se caracterizava pelo branco que os atingidos diziam
ter nos olhos, podemos concluir que sim, que ficou cega e
que, indiferente a esse triste facto, a cidade ainda ali continuava.
Por outro lado, somos levados a pensar que não, pois a
cidade ainda ali se encontrava, isto é, a mulher do médico
continuava a vê-la. Logo, não tinha ficado cega.




Janeiro de 2019





sexta-feira, 31 de maio de 2019

CANGACEIRO DA LUZ - Gilberto Cardoso dos Santos





COMENTÁRIOS:

Cristiane Praxedes Nóbrega Menino, e o cangaceiro da foto és tu? Fazendo análise verbo-visual!! Rssss com toda a licença poética possível.

Marta Maria É um artista mesmo.


Excelente!!!!
👏👏👏👏

Bravo, cangaceiro! 👏🏻👏🏻👏🏻

  • Luciana Nales Araujo Arrasou bravas palavras que penetre nos corações obscuros dos que covardemente não usam da boa fé e do poder da compreensão fazendo brilhar assim sua luz professor cangaceiro Gilberto,sempre abrindo caminho para um bom diálogo!!👏👏👏👏👏👏 

  • Valdeilson Ribeiro Muito bom kkk 👏👏👏👏👏👏👏

Francisco Medeiros Me empresta uma raspinha dessa inspiração, tão... tão "cangaceira," Gil.kkkkkk

  • Joseni Santos 🤣🤣🤣🤣👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
  • Rita De Cassia Alves Isso é legal👍👍
  • Almandina Castilho Show! Brilhas como um lampião aceso , de chama inextinguível, nunca como o Lampião assassino cruel. Grande poeta cuiteense.
Luciclaudio Bezerra Muito bom! Parabéns.


Sônia Dias 👏👏👏👏👏👏




Muito bom,como sempre!