REPRESENTANTES DE ALGUNS
A estrada dava para o rio que pouca gente se arriscava a atravessá-lo. Diziam que tinha crocodilos e cobras que matava de arrocho, o que era verdade, por isso, só dentro das embarcações é que se fazia o trajeto. No braço, somente compadre Clitário que se "encantava" e, quando pensava que não, aparecia do outro lado.
Vivíamos tão presos naquela mata que mal sabíamos que existia poluição, pois cascas das frutas e restos de comida, para nós, era “comer de porco”.
Ir à “rua”, sempre um acontecimento que só quem se arriscava, com frequência, eram os negociantes. Diziam que lá tinha muita mulher bonita, e os garotos, fantasiávamos.
As casas mal-assombradas tiveram suas telhas “carregadas” por quem precisava tapar as goteiras das suas pagando o preço de ouvir, durante a madrugada, sussurros e gritos vindos do alto. Pela manhã, as "mulheres com meninos novos" ficavam nas pedras tomando banho de sol e falando o que tinha sido enxergado por debaixo do sono.
Nas casas "mais assim", ouvíamos que almas penadas vinham puxar o cobertor de quem desobedecia, e ninguém era doido para discordar. O que nos restava era administrar o medo ao buscar mangas com alguém escondido nas moitas para espantar menino "frouxo".
A rotina só saía dos trilhos quando Vaidete perambulava pedindo esmola e justiça para o irmão morto a pauladas. Todo mundo sabia, mas ninguém falava, que foi o pai e os irmãos das meninas "abusadas" que o açoitaram numa noite de tempestade.
Os dinossauros e o império romano nunca existiram de tão fechados que vivíamos. A única novidade ficou sendo, por muitos anos, a farmácia que se comprava vick vaporub. Médico era artigo de luxo, é tanto que Valdiantro passou a ser mais respeitado quando mandou se filho estudar medicina na capital.
Os carros de bois, com suas rodas de “pau-lacrimoso”, era de fazer chorar quem estava de luto. Essas carroças levavam os caixões no enterro guiadas por homens com cigarros queimando os beiços “cuspideiros”. Nos dias grandes, os pais de santo ficavam dançando no centro da vila rodeados de pretos de branco. Nem todos tinham consentimento para entrar na roda, mas quando se candidatavam eram banhados no rio dos jacarés. Numa dessas vezes, um dos batizado quase perdeu o braço. Depois desse incidente, os canoeiros protegiam a cerimonia com seus barcos e redes.
Aprender a ler passou a ser aprender a suportar dor nas mãos. Quem errasse chorava até querer ser gente. Ninguém se importava de apanhar de Goslavia, moça formosa vindo de longe para "apresentar as letras para nós". O filho do coveiro era quem mais apanhava, além de errar mostrava a língua. Não demorou muito até ser mordido por cascavel se transferindo para estudar no céu. A professora tinha fama de feiticeira.
No armazém, seu Calismal trocava o afago das "cabidas" por punhados de feijão. A mulher dele tinha uma pensão que enchia de gente para ver as paredes das cavernas desenhadas. Assim que Ruíle apagou os desenhos, nunca mais veio gente de fora olhar. Ele foi preso. Botaram numa gaiola feita de estaca e o deixaram sem comer por quinze dias. Depois que o caparam, Ruíle nunca mais jogou menino dentro do rio para jacaré comer.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 05.01.2023 - 08h53min
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