quinta-feira, 9 de junho de 2022

CORRE! ENQUANTO É TEMPO - Heraldo Lins

 


CORRE! ENQUANTO É TEMPO

Tentou ganhar dinheiro vendendo ideias para todas as posses e necessidades. Havia uma que ele não conseguia encontrar, que era a ideia de tornar as pessoas felizes a todo momento por tempo indeterminado. Já havia investido em contador de histórias, palhaços, e nada. Pensou muito e quanto mais pensava mais longe a ideia ficava. Seu estoque estava zerado, e o pior é que as pessoas encomendavam muito essa mercadoria.

Saiu à procura dessa raridade chegando até aos montes tibetanos e lá encontrou um bocado de marmanjos com as cabeças raspadas e sentados de mãos postas com os olhos fechados. Pensou: aqui deve ter passado uma praga de piolhos, porque nunca vi tanta gente com o “quengo” liso. Entrou no templo e testemunhou alguns movimentos silenciosos agarrados a pessoas tomando chá. As xícaras suspensas chamavam mais a atenção de que quem estava segurando-as. Tudo em silêncio. Era um silêncio tão silencioso que se alguém pensasse já se escutava o barulho do pensamento. Lá não se escuta nem o barulho do vento, pois até ele passa meditando.

Sentou-se para tomar chá, porém, só sentiu gosto de capim santo. Ele disse: isso aqui lá em casa tem para encher caminhão. Aqueles seres estranhos nada disseram, mas ele sim: vocês pensam que, apesar do silêncio imposto por vocês a vocês mesmos, não estão querendo dizer vá se lascar...? Eles riram. Se não estavam felizes, pelo menos mostravam os dentes. Depois, percebendo o formato do rosto, notou que até chorando os asiáticos expressam sorriso.

Abandonou o chá e deixou um restinho na xícara. Como lá tudo é escasso, o resto do líquido foi motivo de briga. Puxaram suas espadas samurais e começou os duelos. Passaram tanto tempo lutando que quando o vencedor resolveu tomar o prêmio, o chá já tinha se evaporado. Desanimado, o vencedor lhe perguntou: o que é mesmo que você quer? Como faço para encontrar a felicidade? Vá... limpar latrina!

A mando do chefe, ele foi orientado para procurar quem limpava as latrinas. É a pessoa mais feliz do mundo, disseram-lhe. Por quê? É que aqui a maior autoridade é quem expressa um maior grau de humildade, e não há tarefa mais longe da arrogância de que limpar latrina. Pensando bem, ele chegou à conclusão que com esse procedimento não conseguiria convencer ninguém no ocidente que ali estava a mercadoria procurada. Decidiu ir para o polo norte.

Chegando lá encontrou o homem da neve. Estava rindo, todo coberto de neve e dizendo querer aproveitar o friozinho porque restava pouco tempo para se acabar aquela mordomia de ser conhecido por homem picolé. Disse-lhe que essa questão do derretimento das calotas polares era um movimento panfletário dos fabricantes de geladeiras e freezers, por isso, estava feliz por ainda poder aproveitar um pouco. Essa ideia também não serve, pensou ele.

Mais à frente encontrou-se com a mulher da neve conhecida por Maria gelada. Ela vestia calças rasgadas e nem acreditava que alguém pudesse vestir calças que não fossem rasgadas. Acreditava tratar-se de um movimento contra os rasgões, por isso, defendia a associação dos farrapos.

Naquele momento ela nem pode lhe dizer onde encontrar a felicidade, pois ela estava tão feliz que não conseguia falar da felicidade. Disse que só fala em felicidade quem não se sente feliz, mesmo assim, acrescentou que o que a fazia feliz era ser esposa de um homem barbudo, com mau hálito e cera no ouvido. Êpa! disse ele. Acho que aí está a razão da felicidade. Ela perguntou-lhe, rasgando ainda mais sua blusa: ter mau hálito? Não, respondeu ele, ter cera no ouvido. Ela disse: mais isso todo mundo tem, pelo contrário, quanto mais cera a pessoa tem, mais infeliz ela é, e argumentou: com a cera tapando as “oiça” a pessoa sempre fica perguntando o quê a todo instante, e quem pergunta o quê, o quê, não pode ser feliz. É verdade, disse ele, e despediu-se dizendo tchau. Ela perguntou: o quê!?

Ele continuou a viagem e esbarrou no fumaceiro da Amazônia. Avistou os madeireiros devastando a mata, todos, aparentemente, felizes ligavam as motosserras pela manhã e só as desligando à noite, derrubando paus, ninhos de pássaros e o que vinha pela frente. Ele ficou estarrecido ao deduzir que para ser feliz a pessoa teria que derrubar pau? Uma índia que ia passando disse que não, porque a sua especialidade era contribuir para distrair os índios nesse quesito, e nem por isso eles ficavam felizes o tempo inteiro. Só se o motivo de felicidade dos brancos fosse derrubar pau. É melhor fechar a loja, pensou ele, e assim o fez.

Moral da história: essa história não tem moral.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 09.06.2022 — 11:20



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