sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

METALINGUAGEM - Heraldo Lins

 


METALINGUAGEM


O ato de escrever tem o objetivo de levar ideias para mundos infinitos. O que aparece para o leitor é uma coisa, mas na frente e atrás do que se está vendo há muitos outros registros apagados. É semelhante a uma maquiagem que vai sendo posta em várias camadas, e a ideia final está sustentada por outras que, a priori, vieram à baila e foram encobertas. 

Não controlamos nem uma “infinitésima” parte das condições que nos levam para os recantos das palavras. Podemos mudar os caminhos, só não podemos mudar a vontade de caminhar. 

As ideias surgem e gritam para serem expostas, cabe ao dono delas aclará-las para que o receptor tenha noção do que está vivenciando. É um trabalho para ser feito com os que se propõem a ficarem interligados pelo fio da mensagem.

“O poeta chileno Pablo Neruda brincava com uma ideia irônica: Escrever é fácil, você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias”. Mario Sergio Cortella, continua comentando: “Que dá para começar com uma letra maiúscula e concluir com um ponto final, sem dúvida, mas as ideias que estão no meio você demora décadas para conseguir”.

Por isso não se pode ficar sentado em uma pedra esperando que as ideias surjam. É preciso quebrar a pedra para ver se as ideias se “socaram” debaixo. O trabalho diário de quebrar a montanha é quem faz as mãos tornarem-se calejadas e aptas a separarem diamante de cascalho. 

Este texto, por exemplo, está vindo aos trancos e barrancos. A ideia veio bem até aqui e depois fugiu. O novelo enguiçou de tal forma que o autor procura, desesperadamente, continuar na mesma linha, mas o repertório nega-se a trazer sustentabilidade para prosseguir. 

Não é fácil ser derrotado pela própria deficiência e aceitar isso de bom grado. O esvaziamento mental surge travando o movimento do pensamento, e a brincadeira com as imagens desaparece. Elas mesmas, testemunhadas e recriadas, são quem dão sustentação para as expressões verbais, entretanto, traduzi-las é o cerne da questão.

Precisa-se de tempo, disposição e paciência para fazer a conversão. Enroscar-se nas entrelinhas enoveladas e caminhar em direção ao quilômetro extra, não é para muitos.   

Sentidos diferentes podem ser dados a uma simples frase, portanto, todo cuidado é pouco! Iguala-se a andar em cima de cacos de vidros com os pés descalços. A cada deslize vem um sangramento que demora tempos para total cicatrização. É o sangue da consciência do autor vazando em forma de cachoeira, caso se cometa erros passíveis de infinitas interpretações. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 01.12.2021 – 07:



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