quarta-feira, 28 de julho de 2021

NO ESCURINHO DOS DESEJOS - Heraldo Lins

 


NO ESCURINHO DOS DESEJOS


Mulher atraente, linda, sensual... Tamborilo os dedos na mesa do restaurante tentando encontrar as palavras corretas. Palavras ditas, palavras absorvidas. Esse é o perigo de perder algo já, praticamente, conquistado. Seus olhos azul-turquesa passeiam pelo cardápio. Observo seu colo perfeito. Ela fala. Nem precisava. Pede explicações ao Maître. Como é bom passar alguns momentos nessa fantasia deliciando-me com a verdadeira evolução humana.  


Com essa visão sinto-me rejuvenescido. Muito tempo procurando algo tão perfeito e só agora encontrei. Nem quero tocá-la para não borrar a maquiagem. Pede opinião sobre o prato. Para mim um copo d’água já seria o suficiente. Ficarei aborrecido se ela for ao banheiro levando sua formosura. Estava a ler meus pensamentos. 


Aqueles glúteos desaparecem por trás da porta. Estou anestesiado. Que sensação boa é poder contar com a beleza por perto. Nada pode estragar minha noite. Dormiria em seus braços? Volta desfilando no porcelanato... senta-se. 


Seu perfume inebria o ambiente. Move os lábios, mas não escuto sua voz. Apenas penetro o olhar em seus reluzentes dentes. Continuo, pasmado, a observar o conjunto lábios, boca e língua. Preciso guardar essa imagem para momentos solitários.   


Chega o jantar ao preço de um carro novo. Talheres banhados a ouro são manuseados pelas mãos do pecado. Ela pede o saleiro. Incrível, ela pode comer sal! Ah! Quanta saudade desse condimento. Ela o salpica naturalmente. É disso que preciso. De uma mulher que ainda possa comer sal. Certeza que continua a manter o prazo de validade em dia. 


Observo suas delicadas mãos. Que unhas! Nenhum vestígio de quem lava louça. Como é lindo o seu biquinho pedindo vinho francês. Ela bebe com o dedo mindinho duro sem tocar na taça. Que dedo mindinho sem-vergonha. 


Dou uma olhada por baixo da mesa de vidro e vejo o vermelho. Mas não é qualquer vermelho. É vermelho com rendas pretas. Tudo dentro das medidas. Ela continua sorrindo. Transparece sua simpatia mostrando até os molares. Dá um estalo ao degustar o vinho.  Tento relaxar, afinal, hoje é meu aniversário. Ah lembrei-me que preciso comemorar com a minha família. Comer coxinha e pastel comprado na padaria da esquina. Fazer fotos com os filhos nos braços. O celular toca. Heloísa diz que agora já posso ir. 


Aceno e grito: tchau, baby! Confusa, a deusa olha em minha direção. Levanto-me da mesa do fundo envergonhado por ter pensado demais.                         

   


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 13/07/2021 – 11:06



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