quinta-feira, 12 de setembro de 2013

LEANDRO GOMES DE BARROS E A POESIA DO POVO - Irani Medeiros

                                                   
O Nordeste é a região mais rica do Brasil em poesia popular. Aqui nasceu e se desenvolveu a literatura de cordel, daqui se expandiu para outras partes do território nacional. Vem de muito longe essa manifestação da inteligência brasileira, gerada pelo cruzamento das raças e favorecida pelas condições do meio. Em nenhuma outra região brotou o estro do povo, numa literatura que tem características peculiares e que flutua com a mesma autenticidade entre os mais variados temas.
A princípio, os poemas circulavam anônimos, em cópias manuscritas, sobre o gênero pastoril, atividade essencial no sertão. Romances e xácaras enchiam de encantamento a vida simples do sertanejo. O boi passou de elemento básico da economia nordestina a tema de literatura. Forneceu matéria para o cancioneiro dos mais típicos, tantas foram as estórias rimadas em que aparece como personagem principal. Destacam-se entre outras as do Rabicho da Geralda, Boi Espácio, Boi Barroso, Boi Surubim, Boi Moleque, Boi Adão e a Vaca do Burel e outros tantos.
No final do século XIX, quase no limiar do século XX, apareceram impressos os primeiros folhetos de cordel. O pioneiro desta iniciativa foi Leandro Gomes de Barros. O poeta não foi apenas o primeiro, foi o maior de todos os poetas populares do Brasil. Desbravador de uma seara nova, a da publicação dos folhetos, nenhum outro lhe arrebatou a palma na quantidade e qualidade da obra divulgada.
Nasceu no município de Pombal, sertão da Paraíba, em 19 de novembro de 1865, mudando-se para Teixeira, ainda menino, levado por pais e padrinhos. Em Teixeira, terra paraibana de boa fama por seus poetas e valentões, conheceu certamente os notáveis cantadores Ugulino Nunes da Costa, Bernardo Nogueira, Josué Romano e Germano da Lagoa, que ali davam dia santo. Francisco das Chagas Batista também era de lá. Devia ser muito menino quando Leandro, ainda adolescente, partiu de Teixeira para Pernambuco, com escala em Vitória de Santo Antão e Jaboatão, antes de fixar-se no Recife.
Caboclo entroncado, de bigode espesso, alegre, bom contador de anedotas, este é o retrato que dele faz Câmara Cascudo, em Vaqueiros e cantadores. Foi poeta a vida toda. Disso viveu, escrevendo e publicando folhetos sobre os mais variados assuntos.
Versou sobre todos os temas. No heróico, fez poemas sobre cangaceiros, peleja de cantadores, Os martírios de Genoveva; no novelesco, Branca de Neve, O Boi Misterioso e O homem que subiu de aeroplano até a lua, no satírico, A cachaça, A dor de barriga de um noivo, A mulher do bicheiro; no social, O retirante, O dez-réis do Governo, O aumento dos impostos, no religioso, O diabo confessando um nova-seita, O milagroso do Beberibe, Como João Leso vendeu o Bispo, nos fatos do dia, O cometa, A hecatombe de Garanhuns, O Presidente Afonso Pena; na ressurreição dos romances de cavalaria, A Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, A Prisão de Oliveiros, A Donzela Teodora, apenas para citar alguns exemplos.
Como poeta satírico não teve igual. Metade de sua obra descamba para o picaresco. Ele próprio se tinha na conta de humorista, conforme este improviso recolhido por Luís Gil e publicado por Egídio de Oliveira no número 1 da revista Ariús, 10 de outubro de 1952, Campina Grande, Paraíba:
Leandro Gomes de Barros,/ escritor paraibano,/ no ofício de escrever/ trabalha com calma e plano,/ tem fama de repentista,/ escritor e romancista,/ tem folhetos mais de mil, é ainda no Brasil/ o seu primeiro humorista.
Cada folheto de Leandro, tirado em vida do autor ou logo após sua morte, edição do seu genro Pedro Batista, contém dois ou mais poemas. Era de seu sistema deixar inacabados dois ou mais poemas num folheto para dar continuidade noutro, com o que visava manter preso o leitor. Assim fazia porque vivia do produto de sua obra. Enquanto lançava uma nova, reeditava outra das conhecidas, sendo ele próprio o autor, o editor e o distribuidor.
É bom que se diga que, na poesia de cordel está a naturalização da nossa literatura. Os temas são genuinamente brasileiros, como o boi, o cangaceiro, o jogo do bicho, as lendas populares, a cachaça, as lutas políticas, o padre “Ciço”, as pelejas entre cantadores, os dramas de amor, as ações heróicas etc.
Uma vez ou outra o poeta vai buscar assunto na literatura universal, como fez Leandro Gomes de Barros ao escrever a história de Pedro Cem, da Donzela Teodora, da Batalha de Oliveiros com Ferrabrás. Cada um desses temas teve seu veículo de informação. Pedro Cem foi um dramalhão que fez sucesso nos teatros do Nordeste, história de um homem muito rico e orgulhoso, coração duro, que acabou pedindo esmola. A Batalha de Oliveiros e demais temas do ciclo carolíngio foram tirados do livro de Carlos Magno, que circulou nos princípios do século XIX, por todos os lugarejos do Brasil.
Leandro Gomes de Barros continua vivo, bem vivo, na graça e no sabor de sua poesia, apesar de desaparecido há quase noventa anos. Importa que se diga isso de um poeta popular, cuja magia decorre da confluência de duas vertentes: a espontaneidade de suas composições e a preocupação que sempre teve de manter e valorizar a cultura nativa de sua terra, de sua gente. Há, portanto, mais poesia em sua obra que em copiosos versos que se empacotam em livros festejados pela crítica submissa aos grandes interesses comerciais.

                                                      A TARDE


Tomba a tarde o sol baixa seus ardores
Alvas nuvens no céu formam lavores
E a voz da passarada o campo enchendo:
O Juriti em seu ramo de dormida,
Soltando um canto ali por despedida,
Dando adeus ao sol que vai morrendo.

E mergulha o sol pelo ocaso
Já o dia ali venceu o prazo
Abrem flores o orvalho em gotas vem;
Limpa o céu, o firmamento se ilumina,
Uma luz alvacenta e argentina,
Já se avista no céu, mais muito além.

Regressam do campo os lavradores
Apascentam os rebanhos os pastores,
E o mundo fica ali em calmaria;
A matrona embala o filho pequenino
E aprestando atenção a voz do sino.
Quando dobra no templo, a Ave-Maria.

Vem a noite, dormem ali as cousas mansas
Dormem quietos os justos e as crianças,
E a virgem envia preces à divindade;
A velhice recorda arrependida,
Todo erro que fez em sua vida,
E murmura. Quem me dera a mocidade.

                                               A GENIALIDADE DE LEANDRO

                        A obra de Leandro destaca-se, sobretudo, pela riqueza temática e pela linguagem. Além dos temas da tradição, versou sobre temas da época como Antônio Silvino, e Padre Cícero, a Primeira Guerra Mundial, selos, impostos, sorteio militar, fazendo em muitos folhetos uma crítica política e social. Considerado o primeiro a fazer  poemas-reportagens, em que versava sobre notícias de impacto, escreveu também romances, pelejas, marcos,  e abc’s. a sátira e o humor são os aspectos mais marcantes de sua obra. Nesse tom, focalizava, principalmente as mulheres, as sogras, o casamento, a cachaça, o jogo do bicho, o clero, os protestantes ou novas-seitas, a moral e os costumes.
                       
                        É fato conhecido que parte da produção literária de Leandro foi objeto de apropriação, principalmente por João Martins de Ataíde, que comprou a propriedade de sua obra, após sua morte, e passou a publicá-la, omitindo o nome do autor. Assim, parte da obra de Leandro ficou conhecida como sendo de João Martins de Ataíde, o que gerou duvidas posteriores sobre a autoria de inúmeros folhetos. Em 1971 foi publicada pela Biblioteca Nacional a Bibliografias previa de Leandro Gomes de Barros, relaciona 237 títulos de sua obra, em condições autênticas. Este trabalho tem o mérito de restituir  a autoria do poeta em muitos títulos de sua obra, usurpados por editores inescrupulosos.

                                                 

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