segunda-feira, 17 de junho de 2024

NO CORRER DA NOITE

 


NO CORRER DA NOITE 



Sentaram-se no banco do cinema esperando a liberação da sala. Ali bem pertinho, uma moça aguardava o namorado a três segundos do banheiro. Rapazes de preto orientavam quem chegava para só "daqui a pouco". 


Era um sábado à noite, dia de bater papo prolongado vendo crianças desfilarem com coroas de papel ganhadas na promoção de sanduíches. Ao lado deles, um casal compartilhava comida quebradeira de rotina saudável.  


Mais adiante, uns grupos de risadas aguardavam impacientes o início da sessão. Para ele, cada ida ao cinema era entrar no portal da imaginação. Os ponteiros finalmente quebraram a faixa de chegada indicando que o relógio podia deixar de ser vigiado. 


Os risos foram substituídos por passos à procura das cadeiras marcadas na trincheira das luzes suaves. Assistiram na primeira fila com os pés na armação de ferro da proteção, seu lugar preferido. Na saída, uma olhada na programação do teatro apenas para saber o que estariam perdendo a curto prazo.


Vamos jantar? Sim! Foram também para o momento de colocar as conversas em dia enquanto alguns íam para a limpeza esperançosa do dia seguinte. Lonas desciam encerrando o expediente. Um guarda o cumprimentou com uma boa tarde. O que não faz o cansaço, pensou sem corrigi-lo. 


Saíram para pagar o tempo cobrado nas máquinas da cancela. Ai deles se não prestassem homenagem de doze moedas pelos quatro pneus parados no chão dali. 


Não corram que é feio, escutou uma mãe tatuada dizer para as gêmeas de saia rosa. As meninas de caras compridas ficaram sérias. Uma única visita por mês aquele ambiente e ainda mais sem poder correr, era melhor que nem tivessem vindo, pensavam com desgosto. 


Ao vê-las ali com roupas iguais, lembrou-se dos meninos gêmeos de pais diferentes. Vinte em um milhão de casos. A descoberta veio depois que a diferença a olho nu vestiu o DNA. 


Pegaram a rota de casa. Os olhos dele não saíram do asfalto molhado por nenhum instante. Buracos se formam num piscar, disse a esposa também uma caça-buracos. 


Na entrada da garagem, marcha a ré para deixar um outro levar a mãe com Alzheimer para o hospital. Como você sabe? Pela pressa, imagino que sim.


Estacionou na vaga pertinho do elevador. Que silêncio no subsolo de vidros fechados. Um vizinho distraído passou de cachorro sem notar que estavam sendo observados. Correu para sentir o cão novinho ir atrás num treinamento educacional. 


Isso lá é hora para estar sem camisa num frio desse? Couro de urso polar! Não viu não, a pança? A mulher dele tem uma escolinha de professora de matemática, e é longe, pense!


Subiram pelo social. Só ando neste. Aquele outro é o dos animais imortalizados por Valdick Soriano. "Eu não sou cachorro não..." Faltam só o chapéu e os óculos. A chave girou numa volta. Será que deixei as janelas abertas?


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 16.06.2024 - 11h17min.

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