RASGANDO A CARTILHA
Nada sabe sobre o que vai dizer. Seu pensamento está totalmente oco. A ideia foge. A dor chega. Levanta-se e percebe o quanto é sem futuro esta sua profissão. Permanece desconfiando que saturou. Há muito que vem procrastinando o seu fim. Agora não tem mais escapatória. Gostaria muito de continuar, porém olha e nem vontade sente. Vai se despedindo aos poucos. Demora mais tempo para postar, e confessa que a ganância em dar um final bem interessante já não existe mais. Tanto faz como tanto fez.
Está se dedicando a viajar. Cansou de fazer através do pensamento, de imaginar as melhores farras sem sair de dentro da rede. Tem pouco tempo de vida e o restante não vai gastar tendo que registrar uma fantasia que só leva ao nada. Quer sair por aí se divertindo enquanto pode caminhar sem uma cadeira de rodas. Passa o tempo disponível pesquisando vagas em hotéis, passeios de barcos, viagens ao espaço. Já chega de quebrar a cabeça com concordâncias. Está farto disso tudo. Entra ano e sai ano e permanece na mesma.
Se pelo menos tivesse acesso a histórias cabeludas onde nem ele mesmo soubesse que fosse capaz de contá-las, mas não, só sabe falar das dificuldades, de pessimismo, mortes, dramas baratos, assim nem ele mesmo suporta. Parece até que está descendo a ladeira quando olha para seus sentimentos e se sente apático quanto a tudo. Não tem nem vontade de se alimentar. Depressão, dizem alguns. Não, nada disso, repetições.
Tudo está sendo previsível. O dia amanhece, almoços, jantares. Pessoas falam as mesmas palavras, outros usam os mesmos textos, até os dramas se repetem. Como gostaria que um canário latisse, um cachorro miasse ou um gato zurrasse. Pelo menos nos feriados se isso acontecesse já seria muito.
Bons-dias se repetem aos milhões todos os dias. Orgasmos também. Admira com certa relutância uma pessoa que passou a vida inteira dizendo que não sabia. Só bastava ficar calado e já era o suficiente, mas não, de tanto repetir foi condenado à morte por envenenamento. O povo já não aguentava ele ficar recitando em todo lugar a mesma ladainha que "só sei que nada sei."
Outro morreu com pedras na uretra que se transformou em poesia.
Cada pessoa leva suas loucuras para a cova. Ele não quer que isso faça parte da sua trajetória de vida. Precisa parar. Alguns cantores perdem a voz, a afinação, ele perdeu o toque da pena. Se ficar teimando é por burrice, eu já disse a ele: jamais você será famoso. Ele não gostou. Que se dane o seu orgulho junto com as ilusões tão comum nessa atividade.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 27.12.2023 - 17h15min.
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