PRAIA DE PONTA NEGRA (MACIEL SOUZA)
A imagem que nos venderam da praia está atrelada a status, prosperidade, felicidade, sossego e qualidade de vida. Com água de coco, a simbologia se fortifica e, na minha concepção, é um dos lugares que representa bem a diversidade.
Vez por outra, frequento a praia de Ponta Negra em Natal, contaminada pelo espírito mercantilista e o descaso do poder público. Tenho grande respeito por todos aqueles que sobrevivem do seu chão e, graças a eles, enfileirei alguns relatos que me renderam esta crônica.
Soaria meio hipócrita falar de sossego se o rapaz de vestido, vendendo pendrive, não baixa o som, ao menos enquanto acerto o preço da barraca para não ter surpresas no final. Quando sento para desfrutar da paisagem, vem um vendedor de balinhas porque está desempregado e tem um projeto para tirar crianças da rua. Outro oferece chocolate a preço justo para completar o aluguel, depois chega o rapaz que precisa manter a instituição que o recuperou das drogas. Mexem com minha sensibilidade, mas por vezes para por aí, porque neste caso entrego as finanças para serem administradas pela patroa e, só em pensar em fuçar os quatro cantos da bolsa dela, já desanimo. Mas o que me deixa bem penalizado é o agradecimento deles na negociação frustrada e o sorriso de remate, embora, claro, nunca foi minha intenção ir à praia para passar o dia negociando.
Certo dia, em meio a esta tormenta psicológica, do nada surgiu um senhor começando um batuque no pandeiro, vindo em minha direção para um show particular. Minha reação foi fugir para dentro d’água. Tem ainda os vendedores de algodão doce e picolé que exploram o meu lado mais fragilizado, apresentando seus produtos às minhas netas de quatro e onze anos de idade. Eles passam repetidas vezes, tanto quanto elas os fazem recitar todos os sabores para, no final, consumirem o de sempre: pedacinho do céu.
Mas já tenho certa experiência “praística” e, quando estou só com minha esposa, consigo naturalizar minha estada na sombra de uma árvore ou de um barco e, entre os barcos, com a bunda na areia, brigo pelo espaço. Até que, a duras penas, descobri que assim não sou tão importunado pelos vendedores e pedintes, porque a coisa é tão deturpada que, neste caso, eu pareço em estado de mendicância. Foi assim que recebi o benefício do vendedor de coco que me confidenciou dois preços diferentes no mesmo produto: um para os turistas, outro para os pobres. Mas acontece também o inverso: outro dia, um senhor me reconheceu fora do contexto da praia e proporcionou uma interpretação bem generosa a meu respeito. Ele exponenciou meu patrimônio, se referindo a mim como sendo “o cara dos barcos”.
Conto com a simpatia de alguns da freguesia e, deste meio, consigo nomear seu Francisco, Gabi e batia papo frequentemente com seu Zezinho, mas fiquei sabendo que se mudou para a Paraíba. Outro dia, uns cinco ou seis pescadores teimavam em sã ignorância e me consultaram para dar a palavra final. Eu apaziguei a discussão e estiquei minha curta explanação o quanto pude, inspirado no mestre da Galileia, quando instruía os doze. Esta é a parte da crônica de que muito me orgulho e pretendo voltar para concluí-la quando encontrar o sossego prometido. Fico devendo, como fiquei outro dia a um senhor da barraca porque não tinha troco e, depois, quitei a dívida. Nenhum de nós dois sabia ao menos o nome um do outro, mas ele me deu todas as credenciais: O “sinhô” já é “cuincido”. Espero a mesma confiança aqui.
Falou com todas as letras como realmente é a Praia de Ponta Negra.
ResponderExcluirParabéns, meu dileto colega, professor Maciel.
ResponderExcluirFalou com todas as letras como realmente é a Praia de Ponta Negra.
Parabéns, meu dileto colega, professor Maciel.
João Maria de Medeiros
João
Parabéns, meu amigo Maciel.
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