quarta-feira, 22 de novembro de 2023

OS EXTREMOS SE ENCONTRAM

 


OS EXTREMOS SE ENCONTRAM 


Acordou angustiado por ter que limpar a residência. Poderia pagar para alguém fazer isso, mas prefere ficar sozinho do que dividir o pó da casa com alguém. Olhou para o chão cheio de cabelos, cotocos de unhas, restos de comida e uma pena branca. Apesar de sempre avistar urubus ali por perto, aquela só podia ser uma pena de pombo.

Procura fugir para as lembranças sem querer encarar a realidade. Sim, e a limpeza? Faz que não escuta pensando na reportagem que foi incumbido de fazer sobre o vulcão Kilauea e outras coisas mais. Pegou aviões por quase dois dias até o Havaí, e chegando lá ainda teve que se submeter ao teste da covid sob pena de não desembarcar. 

Neste momento, está deitado aguardando a vontade chegar para começar o trabalho. Teve que pagar mais de trezentos dólares pelo teste, no entanto nem reclamou sabendo que iria ser reembolsado pela revista científica para a qual trabalha. 

Na ilha, foi orientado a alugar um carro com tração nas quatro para poder chegar acima das nuvens e conseguir fotografar os treze telescópios gigantes construídos na montanha Mauna Kea. Naquele observatório mais famoso do mundo também deve ter alguém responsável em recolher o lixo, ah, isso tem, mas não se deteve nesse detalhe, pois naquele momento eles se tornaram invisíveis.   

Daqui a pouco vai entrar nas redes sociais para ver as mil formas de fazer uma faxina gastando menos tempo. Claro que uma das primeiras coisas que fez ao chegar lá foi se hospedar num albergue na zona leste, precisamente na cidade de Hilo, e isso foi bacana por se encontrar com outros viajantes e trocarem ideias sobre o porquê que a ilha grande do Havaí continuar crescendo através das lavas dos vulcões.  

Desde ontem que pensa nessa limpeza e quase não pegou no sono imaginando que quando passa o pano tem que retirar a sujeira que fica grudada no tecido. Na manhã seguinte, a mulher dona do albergue lhe perguntou se ele havia sentido o terremoto. Não, não havia se dado conta dos tremores. Soube que no ano de dois mil e dezoito isso aconteceu todos os dias deixando os moradores acostumados a ver a grama se movimentar como se fosse ondas do mar.  

Já fez o café, olhou-se no espelho prestando mais atenção às manchas de sabonete no vidro do que ao próprio semblante triste. Fica em dúvidas se vai usar um rodo passando o pano logo ou se varre primeiro enquanto pensa nos milhões de dólares gastos para manter os telescópios funcionando. Observar o céu tornou-se bem caro desde que o homem corre atrás do conhecimento. Será que a energia envolvida na construção daqueles gigantes, variando entre um a vinte e cinco metros de diâmetro, foi maior do que a que estou gastando em planejar limpar o chão?   

Achou interessante saber que na ilha grande, devido à existência de dez áreas climáticas, quando está chovendo em um lugar no outro está ensolarado. Ele já fez um buraco no meio do pano, enfia o cabo do rodo e passa sem medo que ele caia.

Mesmo que lhe venha à mente aquela verdejante floresta, exatamente no momento em que sentiu como se estivesse dirigindo dentro de uma estufa, precisa continuar a limpeza. 

Sem esquecer os vales e cachoeiras que lhe deixaram saudades, volta-se para a realidade sabendo que aquela experiência não o fez privilegiado a ponto de ignorar a sujeira da casa.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 22.11.2023 – 14h52min.   



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