NUM DIA DE FOLGA
Se puder ir dirigindo, vou achar bom. Tudo bem, posso sim. A esposa precisava dos serviços médicos e ele, respirar um pouco de estresse. Combinaram de sair às oito, porém somente beirando às nove foi que o controle da garagem estava sendo acionado.
Vamos aproveitar e almoçar, assistir um filme, comprar uma blusa vermelha... Nada disso havia sido planejado, contudo no desenrolar do dia foram surgindo as oportunidades. Esqueci de acionar o fechamento! Não tem com que se preocupar, os guardas fazem isso.
Na viagem até o consultório, leram um aviso que era proibido a presença de vendedores ambulantes nas dependências do shopping popular, escutaram sambas bons, outros adiantados na playlist, um navio na costa, gente posando para fotos estavam de férias na parte de trás dos bugres olhando entre as dunas e o mar.
Ao longe, percebam uma barraca de lona preta no meio da vegetação. As favelas já começaram a serem formadas, pensou o motorista defensor de belos espaços naturais. Aos poucos, os treze quilômetros foram vencidos na paz do acelerador.
Vou entrar com você até a recepção, disse seguindo-a no piso brilhante com outros sapatos vindo em direção oposta. Não queria ficar sozinho se entediando com pessoas perseguindo o único objetivo de fazerem a manutenção do corpo. Mesmo tendo o cuidado em não beber, fumar ou consumir outras extravagâncias danosas a um organismo vivo, precisa-se desses profissionais. Ele acha um erro imperdoável da natureza fazer um corpo que não tenha um sistema de autocura igual a um rabo de lagartixa quando cortado.
Insatisfações à parte, sentaram-se na recepção da clínica. Pessoas de meia-idade posicionadas entre eles e o balcão de atendimento permaneceram pedras quando duas jovens chegaram sendo avistadas lá do fundo. Uma delas não se preocupou muito em usar vestimentas adequadas, pois a pele limpa e jovem enfeitava-se por si só; um menino, já grande e usando óculos de grau, de quando em quando chegava na porta de vidro, olhava para ele e saía. Na quarta vez... em que posso ajudá-lo? Ele saiu desconfiado não sabendo que estava botando mau-olhado.
Conversas aleatórias lhe expulsaram de volta ao carro com mais uma hora de espera, calculou. Agora vamos passar no laboratório em frente ao banco. Aqui! Quase que o carro que vinha atrás atropela seu para-choque.
Voltei para pegar o material para exame. Um barulho foi sentido com uma mulher organizando sua pasta na parte traseira do veículo de vidro escuro. Toque para o plano de saúde, pois preciso pedir autorização para mais procedimentos. Ali, depois da rotatória, constatou-se ausência de vaga no estacionamento. Não tem problema, eu fico no carro!
Consegui uma vaga e aqui estou. Quer se sentar? Não, vou ao banheiro. Uma criança autista gritava, uma jovem olhava o celular e outras pessoas em pé foram registradas com cara de poucos amigos sem, necessariamente, serem inimigas. Os guardas na porta e outro no estacionamento serviram para assoprar para longe a sensação de insegurança que varre o mundo.
Bem acolá há outra sala longe desse berreiro. Estou vigiando a tela e segurando meu número de atendimento, por isso não posso ir agora. Quando terminar, estarei lá.
Ela foi lhe chamar e o encontrou na cadeira escolhida por não ter um copo de plástico vazio e uma embalagem de confeito no chão sujando o piso bem cuidado. Em todo lugar há porcos, ou porcas. Se ele tivesse se sentado ali onde havia censurado, poderia ter sido assim também chamado por outros que chegassem depois.
Deixe os vidros abertos para não dar choque térmico. Saíram para o shopping com o ar-condicionado no último negativo sem dar conta do abafado. O motociclista passou raspando. Ah cabra safado! Quando outro se aproximar eu aviso olhe o doido aí!, para você não tomar susto.
Chegaram ao paraíso das compras com um aviso automático a cada abrir de porta: produtos com até setenta por cento de desconto, avisou a voz sensível aos que chegavam despertando nela a vontade de possuir uma blusa vermelha. Fique aqui que vou deixar no carro. Almoço no restaurante espaçoso por um preço salgado e com comida insossa fez jus à predileção.
Comprado os itens necessários para um filme de animação confortável, adentrou-se ao mundo do desenho animado sem nenhuma vergonha de estar escolhendo filme para criança com o mesmo objetivo terapêutico que Carlos Drummond de Andrade assistia aos trapalhões.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 21.11.2023 - 15h44min.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”