sexta-feira, 24 de novembro de 2023

ARTIMANHAS E DESABAFOS










 ARTIMANHAS E DESABAFOS


Mais uma vez tenta escrever um texto acreditando ser necessário continuar forçando para que surja algo de bom. Não pode é ficar reprimindo o que lhe vem à mente, e mesmo que não chegue ao momento mais grandioso, é preciso ter esperança que um dia tudo irá melhorar. 

Uma parada para tirar uma formiga da lente dos óculos. Pronto, agora já pode continuar colocando a culpa nessa formiga pela conversa aleatória que se segue. 

Ao longe, um barulho de lava a jato, todas as manhãs, a lhe perturbar, faz também colocá-lo como réu. Sempre existe algo lhe atrapalhando para que nunca encontre o Santo Graal da literatura, porém nunca acha que o defeito está nas suas limitações.  

Ontem, acordou com um barulho de uma motocicleta zanzando na avenida. Quando foi olhar, avistou um rapaz de camisa vermelha efetuando disparos na madrugada enquanto guiava a moto. Deixemos os outros frustrados continuarem expressando suas insatisfações, e vamos para as nossas, disse ao voltar para a cama se protegendo de uma bala perdida.  

Tenta dizer algo com um final feliz ou dramático. A maior preocupação recai em não terminar sem graça, isso o leitor não perdoa. É muito raciocínio para pouco produto, pensa ao fazer um suco de laranja amassadas em murros lentos.  

Escora as costas na cadeira para ver se continua mais confortável. Ao seu lado, um bocado de vidros de remédio para impedir que o corpo se desmonte fazendo-o refém da indústria farmacêutica. Sente-se doente e cada vez mais dependente dos profissionais da saúde, isso é fato. Não sabe nem que atitude tomar para viver bem, já que está acostumado em viver mal com bem mais facilidade. 

Ainda há pouco, deu uma parada para limpar a poeira da escrivaninha, e percebeu que precisa estar sempre lavando a cabeça para que a mente funcione, pelo menos, de forma razoável. 

Se disser que achou o caminho para não ficar angustiado, todo mundo vai querer saber, sim, porque quase todo mundo passa por momentos de indecisão pós-decepções, igual ao moço atirando pra cima. 

Nem gostaria de ter feito parágrafo para não desanimar o leitor, mas não teve jeito. Precisa dividir sua imperfeição através de cortes. Mais uma pausa se faz necessário, pois seus braços estão cansados de tanto digitar, acredita que é porque o teclado está acima da linha dos cotovelos. 

Sua vontade é falar de algo que está acontecendo lá embaixo, mas apenas o mar, com suas ondas brincando na areia, permanece fazendo valer.  

O que faz para manter o ritmo? Bem, o que sabe é que precisa mandar ver, independentemente se vai dar certo ou não. O relógio aponta que está atrasado, mas isso não o perturba porque a mestra que vai tirar seu viver não está nem aí para isso.  

Parece que até para falar cargas d’água precisa de um esforço grandioso. Fica em dúvida se existe um repertório ou ele vai se formando a cada palavra. 

Ontem desprezou vário textos que achava que iria dar em algo mais interessante. É a busca pela escrita perfeita que atrasa quem tenta se habituar a escrever diariamente, diz ele olhando um avião que passa na sua janela e que poderia ter sido dispensado, salvo se o objetivo fosse esse mesmo de tornar o parágrafo maior.  

Para prosseguir, vai molhar os pés para que eles mandem as ideias de volta para a cabeça, já que se ficarem ao nível de solado serão esmagadas e ninguém saberá de que se trata. É a força da gravidade puxando-as para baixo, igual a um fio terra. É preciso estar atento para registrar as opiniões para que não se percam. O importante é não deixar a terra chupá-las e transformá-las em terremotos e vulcões, pensa ele achando que é uma tese meio estranha para ser defendida. 

Muito mais estranho é acreditar que um touro branco manteve relações com a mulher do rei e foi daí que surgiu o Minotauro. Depois o historiador prosseguiu dizendo que são metáforas onde o Minotauro nada mais é do que a cultura grega aprisionada por motivos de muitos povos estarem chegando à Grécia.   

Volta para o nível da realidade enxugando a louça para ver se consegue chegar ao objetivo. O pior é que sabe que teve que excluir muito do que foi dito de supetão. Enxuga também o suor da testa e se dar por vencido desagradando, como dito antes, aos leitores sedentos por finais espetaculares. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 24.11.2023 – 12h30min.



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