domingo, 1 de outubro de 2023

RAIVA POR NÃO COMANDAR O PROCESSO CRIATIVO

 


RAIVA POR NÃO COMANDAR O PROCESSO CRIATIVO

Chega de ficar parado sem nada para dizer. Vou ter que arranjar uma história ou então ficar só nas beiradas fazendo esses comentários que não chega a lugar nenhum. O que fazer? Nem sei, essa é a verdade. Para contar uma história, é preciso começar com um início já pensando no final. Não tenho nada nesse sentido. 

É isso mesmo. Prefiro ficar aqui na superfície sem muito esforço, pois o que é bom causa dores, dúvidas e muito trabalho. 

As incertezas do daqui a pouco me deixam nesse estágio. O que eu acho bonito mesmo é ver as palavras sendo escritas pelos meus dedos ágeis. Eles fazem isso de forma automática, então encher páginas e mais páginas não me custa muito. O que me custa é ter uma sequência, mas hoje tirei para descansar.  

Minha mente precisa dessa folga para dar prosseguimento ao meu instinto. Tento e continuo tentando, no entanto parece que existe uma capa protetora para me impedir de chegar até o baú do êxtase que quando é aberto rouba-me o sono de tanta euforia. 

Sou pago para produzir dez mil palavras diárias, e essa prova é mais do que suficiente para eu não perder o emprego. Posso até perdê-lo para um outro que já tenha histórias prontas, mas eu já sou a própria história e não preciso disso para me tornar. 

Sinto saudades do tempo em que eu produzia um texto a partir de um pingo. Investi tempo demais nesse pingo, e hoje nem ele vem me visitar. Alguém disse que eu fosse ao médico para recuperar minha pena, mas se fosse assim os médicos não se ocupavam em transcrever nomes de remédios que estão estacionados nas bibliotecas esperando apenas um diploma para serem acessados.  

Preciso ficar neste estágio de total fraqueza para ver se nasce alguma fortaleza. Vou parar na próxima página, pelo menos é um alento para quem está se torturando em me acompanhar. 

Adeus minhas branquinhas. Vocês jamais irão me humilhar. É como uma mulher doida para receber a semente da procriação, mas não fazer o possível para que a semente venha até ela. 

Preciso me desviar da festa cultural que pede um roteiro específico para cada veículo de comunicação, porém o instinto orienta para que eu continue nesse estágio sem matar nenhum personagem nem jogar confetes além do que ele merece. 

Hoje é meu dia de folga. Significa que preciso ficar só de boa, como de fato estou. O motivo de não olhar para cima é porque tenho plena consciência que esse texto não requer uma segunda leitura. Não merece nenhuma reflexão nem tem entrelinhas. Aqui tudo está apresentado do jeito que está saindo do labirinto do pensamento. 

Mantenho as mãos escoradas no birô para não perder um só minuto de fala. Tudo que estou pensando está sendo reproduzido instantaneamente, sem cortes ou conferências. É uma forma de entupir os leitores com um passeio literário sem necessidade de um esforço maior. Se não fosse assim, seria um texto filosófico. 

Este serve para dormir ou se entediar. Nem o vento nem o sol foram convidados para pousar hoje. Esses elementos são requisitados toda vez que pretendo diminuir a tensão, mas nesse caso, não.   

Alguém pode dizer que estou estragando a página, mas retruco que já chega de pensar demais; já chega de passar o dia inteiro para produzir quinhentas palavras amarradas de forma coerente. É bom para quem lê, mas para quem produz é uma verdadeira tortura. 

Fico a imaginar se o editor terá coragem de publicá-lo. Acho que não, pois pode baixar o nível e ele próprio receber críticas, tipo: assim até eu escrevo. Se ele abrir mão, daqui a pouco terá muitos com esse mesmo proceder querendo dizer que também sabe fazer. 

Pode até ser ruim para quem está lendo, mas para mim é uma bênção. Qualquer hora que eu quiser parar ou continuar, posso, tendo em vista que não preciso de fechamento. Ah, como seria bom se fosse assim, pelo menos os tolos passaríamos por grandes intelectuais.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 01.10.2023 - 13h32min.



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