domingo, 1 de outubro de 2023

CONSEQUÊNCIAS DE UM ELO QUEBRADO

 


CONSEQUÊNCIAS DE UM ELO QUEBRADO


Subiu na árvore para destruir um ninho de gavião e suas futuras gerações. Alguns podiam dizer que foi pura maldade, mas é muito cruel criar galinhas e vê-las sendo dizimadas.

Levou uma vara para facilitar a execução do crime. Poderia derrubar com tiros de rifle, mas a munição estava pela hora da morte, então seria melhor assim.

Escorou a vara no gancho para quando chegasse lá em cima cutucar por baixo. Um pé aqui, outro galho ali, conseguiu se apoiar e mandou ver.

Ao sentir a invasão, a mãe gavião partiu para o ataque. Em voos rasantes, tentava arrancar-lhe os olhos. Sorte dele e azar dela, um facão entrou em cena derrubando-a num golpe certeiro. Os cães fizeram a festa estraçalhando-a, todavia antes sentiram as garras de uma mãe desesperada. 

O filhote, já quase em idade de voar, pulava desviando-se do ataque e bicava a vara gritando com as asas arqueadas. Havia uma pausa quando galhos secos se desprendiam num perigo para olhos desprotegidos. Mesmo se debatendo na folhagem, o filhote aterrissou entre dentes treinados em quebrar ossos. Igual à mãe, penas arrancadas e cuspidas numa disputa pelo sangue ainda escorrendo. Quatro bocas famintas puxando asas, pernas e pescoço se debatiam em uma disputa festiva. Nem mais um pio se ouviu quando o homem chamou seus auxiliares de volta para casa. 

Chegaram bem na hora do almoço. Pegou os desgraçados? A mulher era quem cuidava da avicultura e havia lhe incentivado para agir daquela maneira. Eram aqueles danados que estavam nos deixando sem nossas misturas. Desmanchei até o ninho.

Na época da estiagem, era uma boa opção abocanha pintinhos indefesos. Mesmo a galinha sendo brava, sempre havia um descuido, no entanto agora não mais existia esse perigo.

A vida continuou a ser tocada sem predadores para as ninhadas. Os filhos pequenos do casal brincavam despreocupados de ficar vigiando-os. Num final de tarde, o pai teve que levar o menor para o hospital mais perto vinte quilômetros. Na carroça de burro, sacolejando numa noite sem luar, a demora se deu por quase não se enxergar o caminho da cidade. Os outros ficaram tomando conta do sítio, juntamente com a mãe inconformada. É melhor ir apenas eu e ele para não maltratar o jumento. Leve nesse saco e mostre quando chegar lá. O menino foi deitado no lastro da carroça forrado com esteira.

Doutor, será que meu filho escapa?, perguntava ele ao médico de plantão que identificou o tipo da serpente logo que olhou dentro do embrulho. Demorou muito para o senhor trazer essa criança, e por isso o soro antiofídico não conseguiu fazer o efeito desejado. Era de madrugada quando o pai esperava a liberação do corpo para o enterro. Ao lado do filho e sem ânimo para enfrentar os que ficaram esperando boas notícias, lembrou-se que o gavião morto também servia para caçar as cobras corais tão comuns naquele pé de serra.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 30.09.2023 - 21h12min.



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