sexta-feira, 20 de outubro de 2023

ESCRITO NA LOUSA TOUCH SCREEN

 


ESCRITO NA LOUSA TOUCH SCREEN


A multidão de livros esperava para entrar na concorrência. Cada um se dizia mais importante do que o outro sem falar nos escritos avulsos tipo poemas, crônicas etc. A seleção era feita a cada amanhecer e havia livro que já dormia na calçada querendo conseguir um lugar na memória de alguém. As portas se abriam assim que os olhos passavam a enxergar as letras procurando o que ler para evitar erros que demandaria tempo perdido caso fossem escolhidos erroneamente.

Muitos livros se sentiam desprezados quando o outro era escolhido em seu lugar, porém aqueles escolhidos, muitas vezes, logo em seguida eram transformados em fumaça na chaminé das letras mortas, evidentemente, matando também o candidato a autor.

Saber o que ler permeava a maioria dos cérebros dispostos a praticar essa atividade, é tanto que havia uma aglomeração ao redor de um mais experiente para servir de orientação, e assim se formavam os debates, palestras e tudo mais com o único objetivo de apresentar os clássicos. Quem não fosse desse naipe, precisava ficar na calçada até ser aperfeiçoado na fronteira do tempo. 

Leiam-me, por favor, gritavam os livros querendo brilhar em alguma lista, no entanto, diante de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, quase ninguém tinha essa disposição toda para encarar nem uma orelha.  

Eles estavam de acordo que quem estivesse carregando literatura de entretenimento saísse da calçada e fosse para o meio da rua, pois esse tipo estava sendo substituído por vídeos curtos. 

A categoria estava em crise, isso era mais do que visível, e eles passaram a hostilizar uns aos outros. Muitos deles correram para o jardim de infância querendo influenciar a nova geração que começava a debandar para os joguinhos divertidos. Não tem escapatória, ou se dedica mais tempo a registrar algo bem mais imaginativo, ou se vai para o outro portão onde fica a literatura expositiva. 

Muitos sabiam disso, contudo permaneciam aperreando os editores para serem os escolhidos. Havia regras explicando que o conteúdo deveria atender aos literatos e às massas ao mesmo tempo, caso contrário, seriam enviados para embrulhar sabão. 

Muita gente cuspia quando ouvia que era necessário livros para deixar o espírito pronto para ser jogado no meio de discussões. Ninguém tem mais tempo para leitura, berravam os que tinham seus smartphones renovados a cada seis meses. Basta um botão a mais que está pronto o novo produto, esclareciam os que defendiam a morte da palavra escrita.       

E assim continuava a briga de uma forma menos sangrenta, mas mesmo assim eram ideias defendidas ao nível de campo de batalha. O bom dessa guerra era que todos saíam ganhando, ou melhor, quase todos, menos os que não se conheciam. 

A fome pela cultura estava sendo abastecida com a frequência de uma metralhadora funcionando no modo automático. Cada munição disparada correspondia a uma novidade que a palavra escrita, muitas vezes, nem chegava perto de tão rápidas que eram as mudanças. 

Ela, cansada de ser passada para trás, resolveu ficar exposta no muro das análises permanentes. Nesse muro, o próprio leitor passava a ser o autor. O livro havia se transformado em algo mutável e divertido. Cada ledor escrevia a ideia principal de forma diferente acabando de vez com a repugnância de alguns pela obra literária.   


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19.10.2023 – 20h58min.




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