sábado, 23 de setembro de 2023

PINTANDO UM DIA



 PINTANDO UM DIA 


Uma casa rodeada de flores vermelhas e brancas com abelhas e beija-flores disputando o néctar. A brisa daquela manhã visita o ambiente sem querer atrapalhar aquela harmonia natural. Timidamente, o vento balança alguns galhos tornando-os vivos num conjunto de convivência pacífica. 

O poeta apenas observa o sol chegando anunciado pelos cantos dos pássaros junto com o cheiro de terra molhada.  Homem, ave e inseto se respeitam naquele pé de serra onde uma menina sanfoneira, debaixo do cajueiro, executa alguns acordes de olhos fechados. A canção é dela, inspiração procurada depois que o pai chamou a atenção para a poesia que existe na natureza.

É naquela horinha que ela gosta de dedilhar o instrumento presenteado pelo avô. Uma vizinha para descansando da lata d'água que foi buscar no riacho. A menina nem se dá conta do cuidado que a outra tem para não atrapalhar. Os passarinhos se comportam como quem diz: agora é nossa vez de escutar. Ela se aborrece. Abre a sanfona e regula o fá que fez doer seu ouvido absoluto. Testa e volta aos acordes serenados nos graves. 

A vizinha já foi embora fazer o café. Na casa dela, não se ouve o som produzido debaixo do cajueiro. O que ela escuta é o borbulhar da água fervendo já no ponto de receber o açúcar. Seu pensamento volta-se para a canção ouvida há pouco. O marido chega com o balde de leite tirado da vaca que teve seu bezerro atacado pela onça. Vou preparar os cães e a espingarda. A mulher sorri com um pano amarrado na cabeça deixando-a sem a tristeza da dor. 

Naquele ambiente harmonizado pela natureza, boas ideias se encontraram nas soluções. A sobrevivência apela para a violência contra o felino. A lei do mais forte sai para a caçada. O rastro da bicha é acompanhado por ele e a matilha. 

Carne de onça é distribuída na vizinhança num gesto de confraria. À noite, há festa comemorando o resgate da paz. É comum a paz pós-guerra, e eles deixam outros afazeres para se juntarem ao redor da fogueira. 

Os vagalumes distraem as crianças que querem guardá-los dentro de caixas de fósforos. A sanfoneira torce por aqueles momentos de oportunidade de apresentar suas novas composições. 

O dia amanhece com o crepitar das brasas produzindo cinzas que serão aproveitadas para curtir o couro da onça. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 23.09.2023 - 18h17min.




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