quinta-feira, 17 de agosto de 2023

DRAMAS HORMONAIS

 


DRAMAS HORMONAIS


Tinha sido adultério. Ele gritava que não, que uma mulher como aquela jamais iria querer algo com ele num beco sem saída. Depois, para compensar, ele disse que estava chovendo no dia em que o acusaram, coisa impossível de acontecer, pois era alérgico a água gelada que o fazia tossir sem parar. 

Por coincidência, ela apareceu grávida de um grandão negro. A mulher resolveu o pecado inventando esse negócio de destino. Crianças doadas para orfanato havia aos montes, coisa fácil de resolver, bastava a família ir morar longe sem dar notícias. 

Viajaram de madrugada. Cama velha deixada na frente da casa dizia que tudo seria renovado. A virgindade era muito protegida para evitar tais decisões que abalariam qualquer família. Acho que estava dando para escutar gente vizinha comentando baixinho sobre a fuga da família ainda de madrugada. Eu fico imaginando o quanto foi dito além da conta. Vou cortar toda e qualquer relação com esse lugar. Podia ficar parecendo que o penico debaixo dos troços da mudança pudesse evitar a chacota de terem morado em uma habitação que não tinha sanitário dentro de casa. 

Sentada no banco de trás do misto, ela ia pensando no que havia acontecido e qual o futuro desesperado de ter que recomeçar sendo uma mulher pronta para mentir sobre uma suposta morte do menino. 

Na espreguiçadeira, em cima de tudo, ia o irmão maior esperando que o pneu baixasse. O beijo que começou tudo isso estava ainda na lembrança dele quando não denunciou ao pai. Tinha ressentimento por ter contribuído pelo desastre ter acontecido devagar até se acostumarem. Meu Deus, eu podia ter dito, puxado ela para dentro, mas não, fiz que não vi. Lembro-me da vez que pai e mãe haviam saído. Uma época de escuridão na rua durou uma semana chuvosa. Tudo seria evitado se uma ação minha tivesse impedido de vez. Ah, Senhor, que esperança posso ter nessa nova realidade longe dos meus hábitos de trabalho. Dizem que para onde vamos, os forasteiros são mal vistos. O pouco que temos só dá para um mês, e olhe lá. Vou ter que voltar a tocar na noite. 

Na manhã do outro dia, estavam chegando ao posto de imigração. Nunca havia sido tão solicitadas as mesmas respostas. Um par de coxas estava fazendo-os demorar na avaliação dos guardas. A irmã era motivo de olhadelas não tão respeitadoras. Branquinhas, nunca haviam visto daquele jeito. O lugar mais macio estava em evidência à procura, inconsciente, de um novo pouso. 

Eu não ia achar ruim se conseguisse um desses, pelo menos seguiríamos viagem. Montar numa mulher bonita, esse era o sonho dos fiscais. Ah, como seria bom se ela descesse e viesse tomar água aqui. O prédio era uma construção simples, porém um luxo para os que ali trabalhavam. Será que tem alguma coisa que possa fazer para seguirmos viagem? Aqui dentro está apertado, pelo menos iremos embora logo que acabar a fila, penso eu. Toda uma semana demorada para atender à demanda. Quando foi a vez do chefe liberar, estavam, psicologicamente, em fragalhos. 

Num domingo qualquer o caminhão estacionou na possível moradia. Havia uns pombos beliscando a terra. 

Três semanas se seguiram até poder ir ao médico. Tudo sem novidades a deixou mais aliviada. Os chás tomados na fronteira haviam surtido efeito plausível. Não demorou muito a aparecer um interessado em casamento. Aquela mulher clara num ambiente de escuros, elevou a família à sócia da rede morte linda. O trabalho consistia em dar assistência aos familiares dos mortos num adeus de luxo e delicadeza. Seu trabalho naqueles momentos consistia em maquiar os mortos. Ela saiu desse casamento com algumas casas da rede com a promessa de ficar de boca fechada quando flagrou o marido fazendo sexo com uma jovem defunta.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 17.08.2023 – 15h43min.



Um comentário:

  1. Traição, culpa, fuga e recomeço: dramas humanos que resistem ao tempo, aqui abordados de modo envolvente. - Gilberto Cardoso dos Santos

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