segunda-feira, 17 de julho de 2023

PRECAUÇÃO NUNCA É DEMAIS

 


PRECAUÇÃO NUNCA É DEMAIS


A noite chega e encontro-me querendo imitá-los porque me disseram que a geração Y se acostumou a fazer várias atividades ao mesmo tempo, e para não me sentir como um peixe fora d'água, tento seguir o mesmo caminho. Pensando bem, já fazemos isso mesmo sem nos darmos conta, basta ver que enquanto o coração bombeia sangue, a mente pensa, o olho vê e assim por diante, então não é novidade, só que quero fazer o que o termo realmente significa, por isso tenho que correr para ver vídeos, passar mensagens, estudar, tudo isso sem deixar o computador hibernar. Antigamente só quem fazia isso eram os ursos, mas agora até celular hiberna. 

Bom, vejamos o que temos para ver. Um espirro me fez levantar-me. Antes de começar o treinamento, abro a porta do quarto pensando em comer uma pitaia vermelha. Que nome estranho essa fruta veio aparecer aqui na geladeira. Volto para apagar a luz evitando me tornar sócio da companhia de energia elétrica. Procuro a fruta e a encontro pela metade. Como vou saber quem foi que comeu a outra parte se a turma foi passar o final de semana na casa da avó? Aqui tem muitos fantasmas, mas ninguém acredita. 

Olho para minha mão e analiso o corte que o disco da serra mármore me fez. Ontem, o meu polegar esquerdo quase foi junto, ainda bem que eu estava com luvas. Vejo que o corte está avermelhado criando casca. Se mostrá-lo, a esposa me mata, por isso vou escondê-lo como fazia antigamente. Isso me faz refletir que saímos da vigilância do matriarcado para o matrimonial, e então passamos a vida sendo prisioneiro das mulheres. Volto para o computador, pego a flauta e toco enquanto assisto um documentário sobre a Namíbia. Janto assistindo e escrevendo ao mesmo tempo querendo me integrar de vez a esse costume de mil e uma utilidades. Adormeço comendo castanha de caju enquanto escuto uma aula de inglês sendo narrada. 

São cinco e quinze da manhã e nem vou dizer como está o céu porque céu é céu em qualquer parte do mundo e não altera em nada descrevê-lo. A madrugada foi travessa me apresentando uma porteira que quando se abria tapava a rodovia estendendo uns ferros para que quem fosse saindo tivesse prioridade diante do fluxo principal de carros. Depois voltei lá e caminhei na feira agropecuária. Tinha uma bodega que vendia velas, e o bodegueiro era um homem do rosto fino de pele nublada. Acredito que essa cor foi, inconscientemente, tomada emprestada das nuvens. 

Já com o sol alto, vou repassar os rostos de todos meus inimigos, só assim diluo a porção que as bruxas de Salém destilam para cada pessoa toda manhã, principalmente a que foi esmagada com pedras. 

Depois do banho de sol, nada melhor do que alongamento. Lembro-me com muita saudade do tempo em que eu encostava os dedos das mãos nas pontas dos pés. Trinta flexões era moleza, hoje com três fico bufando. 

Dou um pulo por cima de várias atividades, inclusive do relógio, e me encontro almoçando. Vou sair, entretanto volto para o banheiro e quando retorno o meu filho de dez anos está apontando-me a arma que deixei em cima da cadeira. Papai te ama meu filho. Ele é psicopata e vive em tratamento, contudo nem eu sabia que enquanto eu estivesse no banheiro ele chegaria com a mãe. Meu filho, baixe a arma!, grita a mãe. Ele sorri e aperta o gatilho. Ainda bem que eu tenho o costume de descarregá-la quando estou dentro de casa. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 17.07.2023 – 15h47min.





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