sexta-feira, 19 de maio de 2023

NO AR

 


NO AR


Está difícil de ser um "Zé Ninguém." Para todo canto que se olha há sempre um conselheiro dizendo como fazer sucesso. Você pode se tornar um bilionário, basta aplicar cem reais "ali" que depois de quinhentos anos você "chega lá," dizem os gurus pedindo um like em troca do conselho. 

Quem não tem bunda pode usar calcinha bundex e remexer em troca de seguidores, sim porque essa parte do corpo feminino tornou-se mercadoria de troca na internet. Falar quantas vezes "finalizou durante uma pegada" também faz parte do caminho a ser trilhado para o pódio. Até uma casa de taipa é motivo para exposição "vangloriante."

Pode tirar o "cavalinho da chuva" se a pessoa gosta de dormir, pois ninguém sente atração em ficar olhando o outro "roncar," e essa mania besta, que é dormir, não é sinônimo de consumo. Quem gosta de consumir sono está fora do mercado, e é recomendável tomar algo para “ficar aceso,” esse é o conselho dos “famosos.”

Estamos vivendo a era da imagem, e o movimento, principalmente dos quadris, tornou-se ouro. Quem não remexer ou ficar olhando os outros remexerem está longe de ser um "influencer."

O dia a dia de um hospital ficou sem graça assim como a labuta de um coveiro. A rotina de buraco sendo escavado não dá likes, mesmo assim já vi garotas dançando em cima de um caixão, e por ter sido pouco aplaudidas, deixaram de postar. O mundo real não cabe no mundo virtual. É preciso sofrer uma "topada" e sair sorrindo, se gritar ou fizer careta, é descartado. O sorriso mascara a dor, e é por isso que existe tanto sorriso onde cabe um choro.

Ontem assisti uma mulher dizendo como ler rápido utilizando a leitura dinâmica, só que ela não falou da dor de cabeça que dá depois. A "zonzeira" e a falta de entendimento não foram ressaltados. 

Os danos causados por uma taça de champanhe, não podem ser publicados. Parece que as pessoas deixaram de tomar água. Ainda não vi uma “bonitona” com um copo d'água na mão dizendo que é a bebida ideal para ser consumida em um voo de primeira classe.

Sinto falta também de pessoas dizerem que se deve escrever para o próprio aperfeiçoamento. Escuto  muito que o importante é ler vários livros por mês, inclusive há canais e mais canais de leituras coletivas, porém de escrita coletiva, ainda não vi um. Pode ser até que exista, mas... A cultura do escrever está em baixa. Consumir é o que vale, e para que escrever?, se já existem vários livros no mercado que não foram comprados? 

Fui visitar um sobrinho na ala infantil de um hospital e ele havia dito à enfermeira que o nome dele era de um personagem do jogo que ele é fã. A coitada, "desinformada," "ficou no doido," foi preciso um outro garoto explicar o que significava aquele nome. Velho é quem não entende essa nova linguagem. 

Tenho pena até de chapeuzinho vermelho. Hoje o que dá "Ibope" são os personagens que atacam, que usam espadas e superpoderes. Uns bolinhos levados para a vovozinha estão no "lixo da atenção." Acredito que se Tarzan fosse relançado, chita teria sua rival "em close" usando fio dental a cada jacaré esfaqueado, e Jane estaria dançando funk, a todo instante, em cima de elefantes, girafas e rinocerontes.

Como ficaria Ali Babá com tão poucos ladrões para fazer frente às organizações criminosas? Tenho certeza que sua caverna seria invadida no outro dia. Os Jetsons seriam ultrapassados por defensores da vida no espaço e os botos cor de rosa, bombardeados por submarinos atômicos. 

Não há mais espaço para Mister Magoo com sua “miopêz” sendo quase acidentado por onde passa. Infantil agora tornou-se sinônimo de aniquilação. Não tem graça um desenho sem explosões e tiroteios. A indústria de armas investiu pesado nos desenhos nesse estilo e hoje colhe os frutos de ser uma das indústrias que mais cresce no mundo. A vontade de destruir e matar só está sendo barrado porque há ainda a vontade de se construir família, e ninguém quer ver seu filho crivado de balas. Será que ainda teremos tempo para reverter esse quadro? 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19.05.2023 - 10h48min.



2 comentários:

  1. Trata-se de uma reflexão perspicaz sobre os valores e prioridades da sociedade atual. A busca por sucesso, fama e seguidores se tornou, lamentavelmente, predominante, transformando quase tudo em mercadoria de troca. Leitura e escrita, tão essenciais, são ofuscados pelo consumismo. Com linguagem irônica, o autor chama nossa atenção para a distorção dos valores e a necessidade de repensar essa tendência preocupante. Parabéns. - Gilberto Cardoso

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  2. Obrigado, Gilberto, por mais um incentivo. A periodicidade da escrita está me trazendo um certo conforto em escrever com mais facilidade. Agora é tentar manter a produção de um novo texto todos os dias. Espero não decepcionar os leitores assíduos e os novos que vão surgindo a cada dia.

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