sábado, 20 de maio de 2023

FLOREIOS

 


FLOREIOS


A obrigação imediata é de continuar "cozinhando" palavras para só depois consumi-las. Por enquanto, alimentos sólidos e água estão proibidos de serem disponibilizados para um cérebro que luta para espremer ideias e colocar o suprassumo na cadeia do entendimento.

É preciso estar disposto a esperar que algo chegue de bom grado para conseguir escolher a pequena porção que irá nortear o discurso. Nessa hora, é necessário usar o que irá dar apoio ao pensamento, senão torna-se uma mensagem tão abstrata que o meio produz repugnância pelo final.

Neste momento, estou com uma faca no pescoço obrigando-me a trazer a fala para a compreensão facilitada. A rede de admiradores da literatura abrange também a ala radical que “força a barra” por uma experiência agradável. Eles estão achando graça do meu nervosismo em não encontrar palavras carregadas de significados que possam exprimir encantamento. São seres invisíveis que mexem nos neurônios organizando a persistência que muitos apelidaram de vocação. 

Sinto que estou subindo a ladeira das dificuldades, e isso me faz usar metáforas como esconderijo das minhas deficiências. O suor permanece pronto para ser derramado se eu continuar a dar sinais de incompetência. Olho para o chão de terra e tenho inveja do grão de areia que compõe a imensidão da estrada. Ele está estático há bilhões de anos fazendo o seu papel de servir de alicerce para quem passa em busca de aplausos. É a sua função, enquanto a minha é caminhar por horas tentando encontrar pérolas entre cascalhos. 

Avisto ideias sendo descartadas pela comissão de frente. O processo de análise se dá na beira da própria estrada onde cada uma delas fica esperando a minha permissão para apresentarem-se da melhor forma possível. O objetivo da amostra é incorporar-se às vitrines vazias das “capas duras” que há muito foram desocupadas pela indiferença dos leitores. Isso se deu pelas inovações alcançadas pelos algoritmos que tiraram os sentimentos e passaram a educar mentes para a objetividade. 

As emoções foram retiradas até das vírgulas. Já não cabe mais o argumento de pausa respiratória, já que os leitores asmáticos ou atléticos servem de exemplo para mantê-las como sinais, simplesmente, gráficos.

As regras permanecem valendo independente de se gostar ou não delas, só que não existem regras no mundo das ideias. Um pacato anjo pode imaginar o que bem entender sem que o transforme num monstro, e eis aí a riqueza das infinitas possibilidades. 

Não há provas da existência do que se imagina existir. Cabe ao processo da crença a função de incorporá-las no repertório, e aqui o processo se assemelha. É preciso desapegar-se de estilos e outras façanhas tradicionais para ingerir o que o autor quer "passar." O próprio devaneio já se torna a lança que quebra o cristal há muito sedimentado no imaginário proveniente da lógica. Nesse caso, o psicológico assume a liderança de todo o processo criativo sem esquecer que a verossimilhança é a âncora que norteia a interligação entre os envolvidos no pacto da interpretação.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 20.05.2023 – 14h18min.




2 comentários:

  1. Graças aos floreios de Heraldo Lins, somos transportados para o mundo das palavras e da escrita. Ele reflete sobre a complexidade de encontrar as expressões certas para transmitir ideias e encantamento. É destacada a importância de se desapegar dos estilos e convenções para realmente compreender o que tenta ser dito. Ficou bonito o arranjo. - Gilberto Cardoso dos Santos

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  2. Obrigado, Gilberto, pela compreensão. Fiquei um pouco tristonho antes de você publicar porque reli por várias vezes acreditando que estava além do entendimento da maioria. Esse seu comentário veio dar uma sustentação ao texto, até para mim, pois acreditava, depois de escrito, que estaria falando um outro idioma. Aqui em casa houve até a brincadeira de dizerem: vai ganhar um prêmio quem adivinhar o que você quis dizer.

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