sábado, 15 de abril de 2023

CONSCIÊNCIA PLENA - Heraldo Lins

 


CONSCIÊNCIA PLENA


Ponto final. Antes desse ponto, havia uma história, porém, por não valer a pena ler, foi escondida dos leitores ávidos por novidades literárias. Todos esperavam um estilo que revolucionasse a escrita, quem sabe, iniciando-se pelo final e finalizando-se num início infinito. 

O que havia sido escrito, era uma bobagem cheia de palavras sem nexo que estava fadada a permanecer no fundo do baú. Depois de muitos anos, alguém a depositaria na vala comum para onde é direcionado o que não tem mais serventia. 

O papel seria reciclado, entretanto as palavras, não. Permaneciam sendo o que sempre foram na sua essência de serem criadas e destruídas e criadas novamente. 

O texto tinha, como se era de esperar, muitas vírgulas pontos e devaneios do autor, esse último, usado de forma exagerada. Agora você me deixou curioso, disse o presidente dos curiosos elaborando um ofício solicitando que eu falasse do que havia sido escrito e ainda não publicado. Bem, se o próprio não teve valor, imagine qualquer resenha a respeito. É melhor partirmos para um próximo texto mais roteirizado, dentro do padrão do pensamento humano. Então tá! Comece! 

Silêncio se fez. Bem mais tarde, o tempo continuava sendo preenchido com o mesmo silêncio. Os leitores, cansados de esperar, decidiram voltar à “vida regulada.” Foram trabalhar, amar os seus, e quando decidiram voltar, lá estava o cursor piscando parecendo que o autor tinha sofrido um infarte. 

De repente, uma criança chora. O pai disse que o que estava a lhe causar lágrimas eram os espíritos que estavam no chão pedindo para serem removidos. Pai e filho foram, com as próprias mãos, varrê-los. Fizeram um montinho, e, com uma das mãos, colocou-os na palma da outra depositando-os na lixeira mais próxima. Durante esse trabalho, a criança nem se lembrou mais porque estava a berrar.

O pai saiu da sala e foi tentar ler o novo texto. Observou, antes de se sentar, que nada havia sido postado. Sua angústia permanecia aumentando. O filho chegou anunciando que eles tinham que exterminar os fantasmas da ansiedade.  Saíram para o parquinho e lá encontraram um exterminador disfarçado de balanço. O pai colocou o filho nele e começou a espantar sua ansiedade. Poucos impulsos depois, já havia esquecido o porquê de ter vindo parar ali. 

Daí a pouco, passa outra criança com um skate fazendo piruetas impressionantes. O pai dele substituiu sua presença por skates. O amor que o menino tinha pelo seu equipamento o transformou em materialista radical. Tudo para ele só tinha valor se pudesse vender, inclusive enquanto treinava pensava em quanto valia seus pais no mercado da escravidão de cérebros, pois os mesmos tinham doutorado em tudo que se imagina. Pensou em trocar os pais por patinetes, bicicletas, jogos eletrônicos etc.

O outro, que estava no balanço, sentiu uma vontade extrema de possuir o mesmo, mas não queria vender os pais. Confessou seu desejo, e o pai sugeriu um mergulho na piscina para apagar as labaredas fantasmagóricas da inveja. Fizeram isso e lá nada mais ficou sendo desejado, apenas o pai o alertou para fixar o pensamento no milagre que estava acontecendo. O milagre de estarem com saúde; mais um de poderem comer três vezes ao dia; o milagre de possuírem um lar equilibrado debaixo de um teto aconchegante. A criança, entendendo o segredo do bem viver, nunca mais chorou. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 14.04.2023 - 13h35min.



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