sexta-feira, 14 de abril de 2023

A MINA PRECIOSA DAS PSICOPOESIAS DE LINDONETE ARAÚJO - Marcos Cavalcanti

 


A MINA PRECIOSA DAS PSICOPOESIAS DE LINDONETE ARAÚJO

 

Cada livro que vem a lume por obra de um conterrâneo ou conterrânea santa­cruzense, independentemente do gênero a que pertença, enche-me de especial satisfação porque me faz recordar que a luta, iniciada com a publicação da antologia Templos Tempos Diversos (1995), não foi em vão, e que o movimento empreendido para incentivar e dar destaque ao fazer literário na região do Trairi, no estado do Rio Grande do Norte, segue vivo e dando bons frutos. De sorte que podemos comemorar, hoje, a existência de um acervo literário digno de nota e de apreciação, em cujo rol de escritores e escritoras se inscrevem nomes como os de José Luz, Nailson Costa, Gilberto Cardoso, Hermando Amorim, Tereza Lúcia, Edgar Santos, Hélio Crisanto, Renan II, Cleudia Bezerra, dos irmãos Alessandro e Adriano Nóbrega, José de Arimateia e im memoriam, dos inesquecíveis poetas Antônio Borges, Aldenora Ribeiro, Matias Filho e Hugo Tavares, entre outros que ousaram sonhar e concretizaram os seus sonhos, publicando, na maioria das vezes, às suas próprias expensas, as suas obras individuais.

Por essa miríade de escritores e sua significativa produção, já não podemos mais tomar como válida a frase de Monsenhor Severino Bezerra, em seu livro Memória Histórica de Santa Cruz (1993), que tanto inquietava aquele jovem estudante do curso de Letras no campus de Santa Cruz, àquela altura já picado pela mosca azul da poesia e desejoso de que os escritos de seus conterrâneos saltassem do anonimato e do fundo escuro das gavetas para ganharem a luz do mundo. Dizia o ilustre religioso, no citado livro, que Santa Cruz não era uma cidade em que seus filhos bem se distinguissem nas letras com publicações.

É verdade que o Nobel de Literatura ainda não foi anunciado para Nailson Costa por seu recém-lançado “Crônicas em Dó Maior” (2021), como ele mesmo, em sua conhecidíssima modéstia, vaticinou no lançamento virtual do livro, afirmando que mais cedo ou mais tarde isso se daria. Se a premiação internacional não vier, sempre sobra a esperança de um jabuti ou de um cascudinho, de cujas honras também Nailson seria merecedor.

 Brincadeiras à parte, o fato é que podemos afirmar, com muito orgulho, a existência de uma literatura santacruzense que merece a atenção da historiografia literária estadual, na mesma condição de igualdade de uma literatura caicoense, curraisnovense, assuense ou mossoroense. É nessa literatura, mas não somente nela, que se inscreve por seus próprios méritos, desde o ano de 2020, a psicóloga e assistente social Lindonete Araújo. Disse não somente, porque a autora de “Centelhas Poéticas” é escritora que transita pelas veredas literárias de duas terras pertencentes aos seus mais significativos afetos e vivências: Santa Cruz-RN, berço de seu nascimento, e João Pessoa-PB, lugar de sua morada e de seu competente labor, onde vive ao lado de seu esposo Roberto Flávio e de suas duas filhas.

 Não posso afirmar que o movimento descrito acima, tão bem representado pela Associação Santacruzense de Poetas e Escritores (ASPE), enquanto ela existiu, tenha tido alguma influência mais direta no fazer literário da então jovem Lindonete, que desde a adolescência escrevia seus pensamentos e emoções em folhas de caderno, como nos informa a autora em seu primeiro livro. É certo, porém, como ela também nos conta, que os seus primeiros textos tornados públicos se deram pelas páginas virtuais do Blog da Apoesc e posteriormente saltaram para a materialidade da antologia “APOESC em Prosa e Verso”. Pois bem! A Apoesc é uma entidade literária e cultural filha legítima da ASPE e herdeira desse movimento, tendo o  poeta Gilberto Cardoso dos Santos como o seu principal e mais constante incentivador. A ele coube, com a competência que lhe é peculiar, a justa primazia de apresentar aos leitores e leitoras, a estreante poetisa em seu primeiro voo de fôlego e de muitas fagulhas no vasto mundo da literatura, que não é, diga-se de passagem, nem apenas santacruzense, pessoense, potiguar ou paraibana, mas literatura brasileira.

No seu “Centelhas Poéticas”, crepitam 139 poemas nascidos da sensibilidade ardente de uma nordestina antenada com o seu tempo e espaço de ação; que destaca tanto os aspectos mais intrínsecos do comportamento humano em suas idiossincrasias individuais, quanto volta o seu olhar perscrutador para os problemas sociais de nosso imenso e tão desigual país, agravados ainda mais nestes tempos pandêmicos e de retrocessos políticos. No dizer gilbertiano, os poemas de Lindonete nos fazem pensar no fato de que todos nós temos um olhar único sobre a vida. Não é sem razão, portanto, que desde a sua publicação, por força desse olhar especial sobre a vida, o livro tenha tido uma recepção calorosa por parte, sobretudo, de leitores norte-riograndenses e paraibanos, animando-a a continuar os seus voos poéticos e crepitantes.

Quero crer, caros leitores e leitoras, que o convite feito por Lindonete para eu apresentar esta segunda obra, intitulada de “Psicoversos Inversos Sociais”, tenha alguma razão de ser na história acima relatada, nesse engajamento telúrico para ajudar a florescer a nossa literatura, pois, de resto, falta-me competência literária para tecer considerações críticas de ordem formal ou estética que apontem aos seus leitores um caminho seguro ou mesmo algumas veredas possíveis de interpretação para esta nova fornalha de poemas. Já são, ao todo, 269 poesias que nos oferece a poetisa em menos de dois anos de sua estreia. Ao lê-la, não posso deixar de constatar essa torrente criativa que me dá a impressão de uma mulher-vulcânica em plena atividade eruptiva, ávida por expressar poeticamente as suas impressões sobre a vida e o mundo. Cada poema guarda a sua singularidade, o seu caráter, e deve ser lido como sendo único e irrepetível. Como também já observou Gilberto, nem sempre é fácil encontrar a chave que abre os segredos mais profundos e inquietantes dessa mente feminina acostumada a estudar e a lidar com a psiquê humana por força da profissão que abraçou.

Como canta Simone na bela canção “Elegia”, inspirada num poema do poeta inglês John Donner, toda mulher é um livro místico e somente a alguns, a que tal graça se consente, é dado lê-las. Não tendo essa graça, como me atreveria tentar descrever ou traduzir a essência dos poemas que aqui se inscrevem? Deixo essa difícil tarefa aos seus leitores, para que, guiados pelo canto da poetisa, penetrem em seu império de encadernação vistosa, feita para letrados e iletrados, e descubram, por si mesmos, os mistérios de sua mina preciosa de palavras.

 Resta-me, nessas mal traçadas linhas, em tudo dispensáveis, desejar boa sorte à escritora em sua carreira literária, e para justificar a interrupção do que já vai longe demais, termino parodiando a mim mesmo: este livro não precisa de prefácio, nem tão pouco de artifício, pois o que ela faz é fácil e o que ela não faz é difícil, e todos os seus versos feitos são agora os nossos ossos de seu ofício.

 

                                                                                               Marcos Cavalcanti ( Poeta, contista e cronista)










8 comentários:

  1. Caro Marcos: Muitos teólogos acreditam que Moisés seja o autor do livro de Números. Nele, lemos: "Ora, Moisés era um homem muito paciente e o mais humilde dos homens de sua época."
    Não quero crer que aquele que assassinou um egípcio e fez ocultação do cadáver; cujo acesso de fúria o levou a quebrar as sagradas tábuas da lei tenha registrado isso a seu próprio respeito e relatado seu protagonismo e façanhas próprias em terceira pessoa.
    Ao contrário deste Moisés, você foi extremamente modesto em sua apresentação. Todos sabemos de seu protagonismo e grande contribuição à literatura do Trairi. Parabéns pelo texto e pela generosidade nas palavras a nosso respeito.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Foi e é uma construção coletiva. Não cai do céu como manjar oferecido no deserto "milagrosamente". Se era deserta à nossa estante literária, há muito deixou de ser por força de muitos Moisés batendo com seus cajados em muitos veios que só estavam escondidos. É Lindonete que faz jorrar agora, seja a àgua, ou seja a lava de sua avidez poética. Viva à poesia, viva à literatura santacruzense!

      Excluir
  2. Cara Lindonete: PARABÉNS por mais essa obra e pela confiança depositada quanto à correção. Parabéns pelos prêmios e menções honrosas obtidos em concursos. Ficamos felizes ao ver seu nome ganhando espaço em outras regiões do país. Que este livro seja tão bem recepcionado quanto o primeiro.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Entre "e" e "pela", faltou "sinto-me honrado" - Gilberto Cardoso.

      Excluir
  3. Parabéns Marcos pela preciosidade de seu texto, joia rara!
    Goretti Borges

    ResponderExcluir
  4. Gratidão a você Gilberto e a Marcos Cavalcanti por todo apoio a essa obra.
    Sinto-me honrada em ter iniciado as minhas publicações na APOESC.
    Gratidão a todos os escritores que fazem parte dessa Associação, pelo acolhimento e incentivo de sempre.
    Gratidão por fazer parte da Literatura de Santa Cruz com meus singelos poemas. - Lindonete Câmara

    Abraço de luz!

    ResponderExcluir
  5. Não me sinto constrangido pelo amor e laço conjugal para falar sobre as poesias de Lindonete Araújo.
    Uma percepção sempre domina na menção que faço em relação aos seus escritos junto a quem posso: "LINDONETE É UM OLHO D'ÁGUA PERENE BROTANDO POESIAS".
    Nesta sua segunda publicação solo, temos uma rica e aprofundada percepção das dimensões psíquicas e sociais, de sua sensibilidade centrada na pessoa.
    Psicoversos inversos sociais é um chamamento poético, num viés de psicologia e reflexivo socialmente, neste tempo um tanto caótico e carente de sólidas relações humanas.
    Sendo grato por fazer parte desse universo que se apraz com as suas poesias.
    Roberto Flávio.

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”