PROGNÓSTICO
Transportar-me para o local onde jantei é fácil, o desafio é me lembrar quais pensamentos povoaram meu cérebro naquele momento.
Lembro-me da mulher que passou com um capacete na mão e que desviei o olhar para que o rapaz que vinha atrás não me flagrasse degustando aquele andar de misse. Ela foi em direção ao "lanche rápido" com seu trigésimo namorado vigiando quem olhava para ela.
Muitas brigas foram evitadas ao trazê-la para o shopping. Durante o lanche, ela falou que precisava comprar uma blusa que achou linda na vitrine. O coitado fica triste por saber que se não concordar, ela o deixará por alguém disposto a fazer seus gostos.
Uma outra passou apressada com um copo na mão. Jovem bem "aloprada," entretanto a imaginei daqui a trinta anos. Ela estará deformada, cheia de filhos e sem nenhuma perspectiva de crescer na profissão. Bem que diziam para ela procurar semear o conhecimento, contudo optou em preencher a barriga. Quando foi vista passando com o milk-shake, poderia ter parado no oráculo e perguntado qual o seu futuro, mas não, preferiu seguir viagem sem olhar para dentro de si. Se soubesse que "dar corda" à gula não era uma boa ideia, estaria bem melhor de vida. Suas esperanças esvaziaram-se e agora fica olhando as rugas cada vez mais se aprofundarem na sua angustia de medir o quanto falta para dar cabo a uma existência que passou em brancas nuvens.
A que chegou para me atender, na função de gerente, é "casada" com sorrisos e unhas longas, entretanto ao entrar no carro seu mundo de aparências se desmorona. Chega em casa e encontra-se com o filho pequeno querendo sua atenção e ela cansada diz: mamãe precisa dormir, meu filho, amanhã terei mais trabalho. A senhora só pensa em trabalhar, diz a criança chorosa. O menino vai para o quarto quase sendo obrigado a ficar longe de uma pessoa que poderia ouvir suas “histórias da escola,” dividir seus medos morrendo de ciúmes do pai que vai ficar com aquela que ele gostaria de tê-la mais perto. Torce para que o pai morra e deixe a mãe sozinha com ele.
Lembro-me também que avistei um homem cuidando do lixo. Caminhava com roupa azul, botas brancas e um ar de satisfação por viver recolhendo os restos do luxo. Seu passado era revirar monturos em busca de “especiarias” que servissem para comer. Agora, conseguiu o emprego de juntar o que os outros espalham, porém perdeu o seu referencial de catador de latinhas. Antes, vivia perto de quem o conhecia e essa convivência o transformava em “alguém.” Seu trabalho atual o deixou engessado em regras invisíveis. Ninguém sabe que ele existe, a não ser seus fiscais. Veículos estacionados trazem lembranças dos proprietários esbanjadores produzindo recicláveis sem entrar no mérito que a diferença de quem espalha para quem junta está no bolso.
Daqui a pouco vai para casa e amanhã estará de volta com um pedido para dirigir a máquina que lava o chão. Caso seja promovido a “motorista de vassoura,” a família orgulhosa o aplaudirá pela realização de um sonho, não só dele, mas de todos que vivem ali compartilhando derrotas.
A jovem, fechando a sala onde trabalha, “deu asas” para enxergá-la viajando em pé até o terminal de ônibus tendo que pular esgotos para chegar ao que chama de lar. O pai já faleceu e a mãe vive reclamando por ela não lhe dá atenção. Tem um namorado ciumento que controla sua vida, e quando se lembra da sua condição de dominada tem vontade de gritar que não pediu para nascer, mas por estar viva, tenta, desesperadamente, sobreviver fingindo que gosta dele.
No banheiro, percebi não haver sabonete líquido nos dosadores automáticos. É um gasto a menos, disseram-me os responsáveis pelo abastecimento alegando que nunca houve pedido de indenização por alguém ter lavado as mãos apenas com água. Mesmo depois de começarem a cobrar o estacionamento, o serviço foi deteriorado de propósito objetivando enricarem mais e mais sem se preocuparem com a avaliação final.
Aquela mulher branca trouxe-me a ideia de quanto custa manter aquele “corpão.” Deve gastar mais do que três magras, pensei quando a vi sentada na mesa saboreando hambúrgueres e mais hambúrgueres enquanto seu marido lembrava-se dela ainda princesa.
Uma menina, com antenas de coelhinha na cabeça, mostrou-se mimada em tom róseo. Se naquele local público ela estava daquele jeito, imaginem quando está se preparando para dormir! O pai a levava pela mão deixando dúvidas se ela era de plástico.
Os rapazes, da periferia, permaneciam conversando sobre a comunidade onde o território é demarcado pelos cortes de cabelos, pensei ao descer a escada rolante e avistá-los com roupas e cabelos iguais.
Ah, sim, quando passei em frente a uma loja de eletros, foi confirmada a negativa de nunca comprar ali onde os proprietários vivem a dar festinhas regadas a jovens suicidas.
Ainda bem que a realidade jamais será assim tão dramática... ou será?
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 12.04.2023 – 04h47min.
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