DISCURSO DO DR. AUGUSTO DOS ANJOS
NO TEATRO SANTA ROSA, A 13 DE
MAIO DE 1909
Exmas. Senhoras,
Meus Senhores,
Todas as minhas capacidades
anônimas de minguada penetração filosófica descobrem, no microcosmo específico
da consciência individual, a oficina milenária das grandes energias
transformadoras, onde trabalha dia e noite, gastando somas incalculáveis de
substância nervosa, o dinamismo milagroso que, unificando conscientemente os
destinos humanos, avança, num acelero de exército sôfrego, para a obra
definitiva da civilização, ao mesmo tempo que esteriliza, na sua passagem, a
larva obstinada dos misoneísmos tardígrados, e mata para todo o sempre a
influenciação nefasta dos rígidos cânones e cartapácios antiprogressistas.
Galileu dizia que “os homens não
são semelhantes a cavalos atrelados a uma carruagem, puxando todos ao mesmo
tempo; são como cavalos livres preparados para correrem e um dos quais ganha o
prêmio.”
Se a consciência individual,
segundo Palante, é mãe do progresso, é o gérmen misterioso que em si contém o
futuro, semelhante à primeira célula elementar, germinação obscura e inquieta
da vida que em si traz a imensa gênese das vidas futuras, a escravidão é a
morte absoluta dessa consciência, é a crosta tegumentária negativísta que
impede o desenvolvimento psicogenético da racionalidade, e reduz talvez a pars
nobílis do ser humano à mais baixa e à mais réptil de todas as situações
animais. ;
Destarte, o eu psicológico do escravo
lembra uma noite infinita e incomensurável, onde as estrelas principais se
transformaram em massas — cósmicas enegrecidas, rolando sem a
superintendência e sem as leis
mantenedoras do equilíbrio universal, na imensidade cavernosa do Espaço.
O escravo é a negação vertebrada
do impulso evolutivo que existe ocultamente no fundo de todas as coisas, dando
movimentação diuturna ao Universo, esse imenso quadro teleomecânico, na
expressão genial de Hartmann, onde o pluralismo dos efeitos é filho direto do singularismo
das Causas, e a atuação assídua dos agentes exteriores, diferenciando a stirpe radiolar primitiva, desomogeneiza
até as Organizações mais estacionárias da plasmodomia haeckeliana!
A alma do escravo é como a
fotografia de um túmulo, em que a consciência — este milagre espantoso da
matéria cerebral, desapareceu completamente, como o cortejo funerário de todas
as sinergias dinâmicas que presidiam, cheias de vida autônoma, a engrenagem
superior de seu primítivo funcionamento. De sorte que, pouco a pouco, como que
obedecendo a uma fatalidade mecânica de diminuições sucessivas, - operadas por
um instrumento bizarro de redutibilidade graduada, os elementos psíquicos do
escravo vão perdendo o estímulo congênito que eleva o homem acima do pandemônio
caótico das predisposições irracionais da espécie e não atende mais à
solicitação degenerada da besta ególatra, que dorme, como um velho funcionário
permanente, na coesão indispensável de todos os agregados vivos da Natureza.
Há então superveniência imediata
de uma espécie de amorfismo intelectual e emocional! na cerebralidade
subordinada do escravo.
As ideias superiores e os sentimentos
superiores, afugentados e dispersos, no atabalhoamento característico do êxodo
forçado, desertam aquele em ruínas onde as lâmpadas da razão se apagaram e a
tocha universalista de Bacon nunca mais terá a capacidade libérrima de
funcionar.
E o indivíduo, então, escorraçado
como um cachorro “pintado inteiramente de lepras, prejudicando a sensibilidade
com se tornar um aparelho receptor exclusivo de sensações dolorosas —
quotidianas, faz à noite, no desabrigo pestilento dos lençóis imundos , depois
do chicote inquisitorial das gentes xantocróides, o trabalho ignorado e
decepcionante de auto-inspeção psicológica, e como um financeiro calculista,
dando balanço onímodo e escrupuloso à urna avarenta da agiotagem anual, apura —
o resultado sintático daquele inventário.
E é como quem assiste
conscientemente, subtraído ao império das leis físicas e químicas, à luz da
razão sadia e de todos os estemas vibráteis, o espetáculo da desintegração das
substâncias originais, que entram, como uma república de contribuintes
orgânicos, na produção biológica da
fenomenalidade vital que se escapou dos elementos anatômicos, e começou a
entrar na parte primitiva do todo cósmico, quebrando aquela cadeia de carne e
sangue, em que se escondeu um dia para cumprir um destino que a Filosofia, com
todos os seus métodos de especulação aristotélica, baconiana e cartesiana,
ainda não nos pôde revelar.
E começa a agonia do escravo. O
sentimento nobre de sua raça, tornada quase infecunda pelo trabalho
esterilizador e pelo fatalismo dissolvente da homogenia agenésica, que é a
última resultante das degenerescências étnicas, não bate mais nas paredes
musculares do seu coração!
Ah! a sua raça é ele mesmo,
arrancado brutalmente da solidariedade
humana, no seu esconderijo porco de animal maltratado, puxando como um
boi paciente a carga vexatória de uma vida que não é somente dele, mas de todos
os que sangram com ele, em comum, entregando a curva plástica do dorso
muçulmano à vergalhada infamante dos suseranos ferozes, e confundindo-se no
mesmo nível mental do imobilismo idiossincrático das idéias paralisadas e das
emoções abortadas, que a etnografia constata ser um produto lídimo da
hereditariedade funcional e da adaptação progressiva que lhes determinam esse
negativismo fechado para o desenvolvimento latitudinário de suas qualidades
emocionais e espirituais.
E o que lhe assoma aos lábios,
impetuosamente, numa irrupção espontânea e incoercível, é o grito instintivo de
sua raça castigada, é a canção unitária dos vencidos, toda a escala chorada das
afeições perdidas, na dissolução aberratória da filoprogênie religiosa que
esses homens de cabelos louros, e alva pigmentação epidérmica, lhe vedaram para
todo o sempre, gritando-lhes aos ouvidos:
“Tu não terás filhos!
Dos peitos de tua mulher
escorrerá apenas, para manchar o mundo, um leite improfícuo e simplesmente
animal!
A tua mulher é dos brancos,
pertence ao patrimônio inteiro de nossa libidinagem, os teus filhos constituem
apenas o prolongamento desclassificado de tua subalternidade étnica, o Estado,
que o logos e é a razão suprema, não protege a tua vida, a tua propriedade e a
tua liberdade, porque tu não possuis esses superatributos inalienáveis e
imprescritíveis do nosso eu bramânico e privilegiado!”
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