terça-feira, 17 de janeiro de 2023

PASSEANDO PELAS PESSOAS - Heraldo Lins

 


PASSEANDO PELAS PESSOAS


Era forte, saudável e muito ativo para o trabalho. Vivia numa estação de trem onde tinha moradia e flores para vender aos passageiros, principalmente às mulheres recentemente casadas em viagem de lua de mel. Nos vários momentos em que estivera sozinho, pensava em algo mais significativo para sua vida, como por exemplo, ter uma mulher para a qual pudesse comprar flores. Abriria a carteira sorridente, tiraria uma nota cheia e deixaria o troco. 


Queria ser um homem bom e amável, mas as condições precárias não permitiram. Seu hábito de estar sempre sorrindo não lhe tirou a capacidade de fazer uma releitura das suas antigas clientes. Uma delas, que recebeu buquê, hoje vende pirulito perto do embarque. Seu marido veio a falecer e a deixou com uma filha sem nenhuma garantia de subsistência. São colegas e testemunhas de que a vida prega peças em quem está dentro dela.


Que lindo! disse a contemplada olhando o que o marido lhe entregava. Estavam saindo de férias e, mesmo na chuva, aproveitaram a oportunidade para um gesto romântico. Do trem, ainda puderam avistar o vendedor de flores e a de pirulito conversando, nem se sabe o quê. 


No assento em frente, um velho lia jornal e os cumprimentou juntamente com sua mulher de cadeira de rodas. Fizeram-se amigos durante o trajeto apertando-se as mãos na estação seguinte. Eles continuaram a viagem, e na outra estação, distante trezentos quilômetros de onde o velho e a cadeirante ficaram, despediram-se do maquinista. 


Este seguiu pensando naquela sua última viagem. Estaria se aposentando no dia seguinte e lhe veio as lembranças de quantas pessoas deixou pelo caminho. Lembrou-se de uma que se suicidou debaixo daquela ferragem. Havia deixado o marido por outro, porém não estava sendo correspondida. Foi fato romanceado até por escritores famosos.


Ao chegar ao destino, duas horas depois, o maquinista estacionou pela última vez. Puxou todas as alavancas necessárias e seguiu a pé para casa. Encontrou o guarda amigo levando um algemado que o reconheceu. Não se falaram. 


O homem percebeu o desviar do olhar e seguiu sendo empurrado pelo guarda. Muitas vezes já estivera preso, entretanto acreditava que logo estaria de volta para bater carteiras de homens que presenteavam suas mulheres com flores. Uma neblina veio lhe deixar impaciente com aquelas algemas forçando suas mãos para trás. 


Um cão latiu ao passarem perto de uma lata de lixo. Uma porta se abriu e o garçom, de bigode e com saco na mão, os olhou voltando  para o bar em que servia a dois amigos bêbados no balcão. 


Um deles falava de como trapacear nas cartas de baralho. Sabia fazer truques também com moedas. Apostou que conseguiria o que prometia e ganhou mais uma cerveja do colega menos embriagado. Tiveram que sair daquele ambiente fechando as portas pelo horário avançado. Não havia lugar para irem senão suas próprias residências. Sem muita alegria, disseram até amanhã, pois se encontrariam na mina de ouro para extrair riqueza da terra para o bolso do patrão. O lazer consistia naquela bebedeira todo final de semana. Estariam juntos novamente logo que chegasse mais um, foi o prometido por ambos. 


Em casa, a mulher do menos fedorento, ainda assistia a filmes quando ele chegou. Tirou a tampa da garrafa e bebeu um café forte. Ainda acordada? Sim, não tive como dormir sabendo que você está jurado de morte. Deixa de besteira, aqueles caras não são de nada. Veio para perto da esposa e ficaram vendo outro programa ao vivo que só apresentava talentos da meia noite, pessoas que se dedicavam a trabalhar somente depois que o sol se punha. La estava o cantor que ele mais gostava. Apresentou-se e, sob aplausos, deixou o camarote juntamente com uma fã que o esperava para um autógrafo. Ela era uma ninfeta abaixo da idade permitida para estar na noite, entretanto os guarda-costas a deixaran se esconder na limusine. 


O artista seguiu viagem saboreando o chiclete daquela menina, há pouco saída da adolescência. Até a residência, onde passariam a noite, foi um pulo. Desceram abraçados sendo fotografado por um profissional do ramo das fofocas. 


No outro dia, lá estava estampado o escândalo na primeira página. As edições foram esgotadas rapidamente. Os programas sensacionalistas exploraram ao máximo, entretanto no final das contas, os dois receberam os devidos cachês pela produção daquele escândalo. O jornal, onde o artista é sócio, depositou o dinheiro devido pelas vendas extras dos jornais. 


A menina foi convidada para estrear um programa, onde receberia convidadas contando suas experiências com homens casados, e, quanto mais de bem com a família, mais audiência.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19h02min



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