segunda-feira, 3 de outubro de 2022

PAPEL DE FIGURANTE - Heraldo Lins

 


PAPEL DE FIGURANTE


Nesta véspera de segundo turno, o lugar fica povoado de interrogações com todos comemorando o nascimento de uma nova ideia. Revejo a minha lista de pedidos e abro-a aleatoriamente na página dedicada aos sem juízo. Hoje é preciso enxergar a sombra da mediocridade apontando para o lado oposto. 

Vou à consciência de cada votante pegar um pouco de respostas. Pego-as. Abro-as. Encaro-as como se pudesse entendê-las. Tudo é complexo impondo-me mais que uma análise superficial para poder entender a demanda por justiça, honestidade, por algo que quase não se vê. Encaro-as tentando chegar ao ponto final das contas que o povo quer. 

Somos o final da fila, a parte fraca da corda, onde se quebra ao menor puxão, dizem eles. Ninguém quase pensa em fortalecer esse lado fraco, digo eu. 

Depois de certo tempo, escarro em tudo que passa pela cabeça. Deixo-me sem reclamar, apenas fitando a falta de solução. O tempo empurrando os acontecimentos como se brincasse com eles, e eu aqui me preocupando à toa. Sempre há o que fazer. Volto para a sala da consciência passando a régua em tudo já vivido e revivido nos últimos dias. 

Uma caixa abre-se para as últimas informações boas. Meus vilões morreram afogados dentro de um tonel de mentiras. Duraram o tempo que os céticos quiseram que eles sobrevivessem. Há falta de céticos no mercado. Tento importá-los para fazer parte do meu plantel, pois estou quase acreditando que há jeito. Ninguém se candidata ao emprego. Estão quase todos hipnotizados pelos doces oferecidos pelas palavras contraditórias. Procuro no bolso das lembranças algo que me deixe satisfeito e animado. Nada encontro. 

Demoro para entender porque os “barrabenses” optam por Barrabás. Compro ideias antigas, mas elas já não servem mais, como não serviram na antiguidade. O fogo foi roubado e a finalidade do bem está sem utilidade. Os abutres rondam minha carcaça tentando se alimentar eternamente do prazer de enganar. Já tentei ficar sóbrio diante dessa avalanche de fumaça preta que é produzido por palavras, porém nada consegui. 

Ligo a TV, entretanto sou passado para trás. Não me deixam falar, só escutar. As rodas de conversa precisam ser alimentadas pelas contradições, e tenho que defender alguma opinião. Vou espionar o que cada um diz para poder repetir o que dizem. São mundos em pé de guerra pela ramificação cerebral enraizada, domando o ser na sua total crença. Os falsos ídolos passaram a ser verdadeiros bastando um montão de gente dizer isso que já é o bastante.  

O dia seguinte está custando a passar, também pudera! véspera de segundo turno é assim. Parece que ficamos no limbo, em um lugar totalmente ausente de vontades, e é nesse momento em que percebemos que o tempo passa sem nossa permissão. 

Meus pés querendo andar e meus olhos, fechar. Eu me avisei que tivesse cuidado, que não me envolvesse, mas toda vida é assim. Envolvo-me, brigo comigo e com quem pensa diferente.  

Hoje o dia é propício para decidir. Acho que estou sofrendo antecipado por ter pouco tempo para diluir os pensamentos que chegam aos borbotões. Faz uns quatro anos que passei pelas mesmas dúvidas e percebo que é mais econômico ficar calado. Ninguém nos perturba nem perturbo ninguém com meu palavreado enraizado na construção do altruísmo. Meu sorriso ficou falsificado de tanto perdoar os contrários, mas preciso desse produto “made in Paraguai” para sobreviver. 

Nem chuva aparece para estragar meu sol. Quantos dias faltam? O chinelo para quem perguntei não sabe a resposta. Odeio sandálias porque não reclamam de serem pisadas constantemente. Não, não estou ficando louco, mesmo sabendo que a maior loucura é se pronunciar sadio. 

Crescem as expectativas e o rumo fica sem rumo. Tento reassumir o controle de mim mesmo, todavia olho pela janela e vejo a carreata passar, assim não dá. Eles me encaram com buzinadas e festejos falsificados. Vermelho estou e sempre serei por dentro sentindo meu sangue ferver no momento em que a chuva de provocações chega-me associando memórias doces e amargas. Só me resta praticar o autocontrole. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 03.10.2022 — 16:41






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