O SAL DA EXISTÊNCIA
O jantar era sofisticado. Um acontecimento ímpar de final de sábado à noite, desses em que a maioria, mesmo sem se conhecer, confraternizava-se divertindo-se com umas garotas de nome artístico. O grupo nunca havia estado junto, a não ser através de reuniões virtuais da empresa.
Saliro estava feliz por se encontrar com seus superiores jantando naquele ambiente, há muito sonhado. Preocupado em não perder a compostura, preferiu dispensar bebida alcoólica.
Naquele ambiente, não poderia passar vexame. Seu posto na empresa dependia do seu comportamento social, quase impossível de ficar calmo com bebidas e muitas mulheres por perto. Aquelas beldades, não tiveram suas ancestrais mortas na fogueira, por isso ainda carregavam o gene da beleza, pensava ele depois de se entediar com os discursos.
Voltando transtornado à realidade, Saliro teve que se contentar em ouvir a fala do sênior anunciando os ganhos da empresa no último trimestre. Não dava para se concentrar em um ambiente com o dobro de mulheres à disposição.
Elas precisavam mostrar serviço para serem indicadas nos próximos encontros, e ele sabia que quanto mais elas se ofereciam mais perto ele estava de quebrar a promessa de permanecer fiel à esposa que ficara em casa.
Uma modelo que estava servindo de vitrine, encostou a cabeça no espaldar do sofá e ficou seguindo as instruções de excelente acompanhante. Quanto menos falar melhor, dizia para si mesma. Na sua mente, a figura da mãe, a lhe acompanhar, vinha como sendo um nevoeiro sobre sua consciência deixando-a pensativa desde o dia em que resolveu sair de casa.
Dar o primeiro passo no mundo, sozinha, foi dramático. Suas experiências no papel de filha obediente, não fazia mais sentido. Sentiu seu coração formigar pedindo para que ela preenchesse as dúvidas com atitudes que só ela poderia tomar.
Seus sonhos de fugir vinham do infinito, não sabendo explicar por que preferia ficar fora do manto protetor da família, entretanto sabia que isso era muito forte nela. Lembrou-se que ao tentar sair, percebeu alguém a observá-la, virou a cabeça e viu a mãe a espreitá-la na penumbra.
Ficaram a se olhar. A mãe nada disse, apenas fez o café para a filha de dezoito anos que resolvera abandoná-la. Deu-me alguns trocados, acredito que todas suas economias. Conversamos, com ela sempre me dizendo para me cuidar. Se ficasse, sua mãe sabia que a filha não teria um futuro promissor. Ser dona de casa, mulher de um alcoólatra não era uma boa opção. Como é ruim essas despedidas. Se pelo menos mãe ficasse fingindo dormir, eu poderia sair sem remorso. Agora ela me olhando partir, deixa-me fragilizada. Uma voz espiritual chegou dizendo adeus ao seu eu que queria permanecer acordando tarde, entretanto ela sabia que era preciso tomar aquela decisão. Adeus, disse a mãe com lágrimas.
No centro do salão, estavam homens conversando e esperando o momento certo para tomar-lhes pelas mãos e conduzi-las aos apartamentos preparados para o descanso lúdico de final de reunião. Era praxe ficarem sentadas, conversando distraidamente e esperando a vontade daqueles desconhecidos. Estavam cumprindo com mais uma temporada de encontros casuais. Vinte anos contava agora e já havia feito um pouco de tudo na vida. Seus segredos teriam que ficar guardados para mais tarde serem abertos em casa, longe daquele luxo. Por enquanto, era apenas um rosto lindo sem aparentes problemas. Tinha que disfarçar que era isso mesmo.
A promessa de permanecer fiel, Saliro acabara de quebrar em seus braços sem que ela desconfiasse que aquele desconhecido irmão, há muito tempo, também fugira de casa ao testemunhar a mãe ser espancada pelo pai bêbado.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 04.10.2022 – 23:22
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