quinta-feira, 8 de setembro de 2022

O CHEIRO MOTIVADOR - Heraldo Lins

 


O CHEIRO MOTIVADOR



Era tempo dos ipês florescerem, e, naquele amanhecer de setembro, um homem largara suas preocupações perto do bosque. Longe de casa, viu o quanto o cenário multicolorido se esforçava para dar prazer aos olhos. 

Borboletas o seguiam como se o escoltassem para perto do fio d’água, enquanto o alvorecer anunciava os pássaros disputando a atenção do outro lado dos galhos. Descendo pelo chapadão, o riacho indicava por onde o homem deveria seguir para ver as montanhas mais de perto.

Ali era o momento que o fazia acreditar que a terra não pertencia a ninguém. O homem desapareceu no interior da floresta para depois ficar integrado à sua paisagem. O próprio tempo insinuava que podia parar a qualquer momento, fato que só não acontecia porque o vento empurrava-o através das folhas. 

Quando chegou à clareira, encontrou outros ipês mostrando-se participantes da comunidade vegetativa. Estar ali era um privilégio marcado pela beleza daquele mundo, tendo em vista que só daqui a um ano seria possível uma nova observação.

Quando a noite foi chutada para debaixo da madrugada, uma tempestade se fez presente. Sentindo o cheiro acolhedor de estar no meio das flores, percebeu ter chegado o momento de se proteger de mais uma profunda experiência sensorial. Os penhascos, florestas, rios, e, naquele momento, os ipês, o transformaram em explorador de sensações não só apreciadas pelos olhos, mas também por cada poro retraído em defesa do ser. 

No convívio com a solidão escurecida, lembrava-se do distante e do presente para não se desvencilhar dos seus referenciais. Nova vida estava sendo acrescentada pelas histórias relembradas prosseguindo na enxurrada de atenção, e, finalmente, as cores, como agora, iam embora. Por vários meses, tinha que se contentar com aquela lembrança de mato molhado roçando seu pensamento. 

No pequeno descanso na beira da mata, bebeu novamente o que há tempos determinaram seus pensamentos, sem perceber um casal de nuvens em forma de maracanãs atravessando o céu rumo ao oeste. O momento mandava ir embora levando um pouco do perfume e da beleza guardados no frasco da memória, o que de fato foi obedecido.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 07.09.2022 — 23:53



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