DOCES IDEIAS
Estou aprendendo a ler utilizando a respiração para inspirar as palavras e expirar seus respectivos significados. É mais trabalhoso, mas pelo menos consigo memorizar o que leio.
O que dificulta a concentração são os fantasmas que surgem a cada esquina dos parágrafos. As assombrações esperam o momento em que volto para o início da linha para se imiscuir no pensamento, e quando isso acontece, adeus entendimento.
Aprende-se logo cedo a decifrar o código escrito, todavia manter a relação dos significados não é nada fácil. O mundo aprisionado nos livros mantém uma forte ligação com a realidade de cada um, e essa relação motiva o desvio para outro caminho e, consequentemente, a visão do autor fica a ver navios. A única forma de manter a locomotiva da compreensão nos trilhos é sustentar a respiração junto às frases.
Por outro lado, não basta só ler, respirar e aprender. O importante é ter um objetivo para o que fazer com o saber.
Conheci um aluno totalmente desinteressado na sala de aula. Levaram-no à psicopedagoga e ele relatou que não pretendia aprender porque sua família era bilionária e, mesmo que gastasse milhões por dia, jamais iria precisar trabalhar. Levando em consideração que o objetivo de aprender é para ser usado na sobrevivência e a dele já estava garantida para o resto da vida, então queria ficar burro mesmo.
Aqui nessa história tivemos a experiência também de entender como os fantasmas se intrometem durante o processo. Eu poderia ter continuado a falar somente da técnica de leitura, mas fui obrigado a concordar com a intromissão desse fantasma, fazendo-me crer que muitas vezes nem temos alternativas a não ser aceitá-los.
Lá vem mais um fantasma contando que certa vez foi fazer uma apresentação longe do seu habitat e encontrou, na beira da praia, um jovem que se ofereceu para ajudá-lo no espetáculo, pois estava desempregado. O fantasma falou que seria melhor o candidato a ajudante fazer igual aos outros nativos: ir pescar. De pronto ele respondeu sentir enjoo quando navegava. O fantasma tentou ensinar-lhe a técnica de evitar ficar tonto com o balanço do mar, mas ele disse que não queria aprender.
Somos um laboratório químico dentro de um contexto cercado por ossos e mais outras coisas. O formato interno do cérebro é quem distingue as ações, as palavras, a personalidade e assim por diante. É desse barramento, junto com os signos sociais, que cada escritor tem uma forma de se expressar, e essa forma jamais será mudada, a não ser que o autor leve uma machadada na cabeça a ponto de alterar a formação do crânio.
Se pudéssemos colocar um formato de um cérebro humano numa mula ela começaria a pensar como humano, e se fosse um cérebro que tivesse tendência para ser violonista, a mula se suicidaria ao olhar para as patas e ver que não se adequava ao instrumento.
A concentração é necessária até para produzir um texto que à primeira vista não requer maiores esforços. Confesso que me desconcentro muito quando envio um texto hoje e só é publicado amanhã. Parece que há algo errado pairando no ar, não sei se comigo ou com os fantasmas que crio.
Há fantasmas de todos os tipos e gostos, é tanto que o objetivo dessa conversa era falar de concentração, técnica de leitura etc., mas o fantasma é tão forte que findou sendo o assunto principal, isso se deu porque me vejo sendo melaço endurecido num amaranhado de substâncias cozidas, como se fosse rapadura num tacho, só que a rapadura de hoje ainda não esfriou.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 26.08.2022 – 10:58
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