sábado, 25 de junho de 2022

RELATOS DE UMA MENTE SADIA - Heraldo Lins

 


RELATOS DE UMA MENTE SADIA


Sentia-se no meio de uma tormenta sem condições de articular um discurso coerente, e, por isso, foi introduzido em uma caverna de morcegos em forma de sinos. Nesses sinos, a vida permanecia fatiada em bilhões de imagens ajustadas em segundos de vivência. Ele morria a cada imagem relembrada e renascia nas seguintes. Notou que seu viver era construído entre pequenos lapsos de morte/vida como se fosse uma máquina fotográfica. A rapidez nas mudanças de imagens o tornava desconhecedor da linha reta que acreditava resumir a sua existência.  

Bacilos da tuberculose o levaram para um pátio cheio de sapos enfileirados que comiam tanajuras. A viagem pelo sistema digestivo dos predadores ditou as regras do novo mundo quente e úmido do estômago em que estava sendo digerido. O difícil era se desprender daquelas imagens surreais.  

Conseguiu sair e encontrou uma pessoa para ouvi-lo dizer que mantinha um chip inserido no corpo. Isso lhe dava o poder de transferir valores com apenas um piscar de olhos. A testemunha abriu um sorriso, balançou a cabeça e, como haviam combinado, falou que acreditava. Ele continuou: estou ligado diretamente à conta bancária do sistema e tudo que faço é olhar para cima, onde o algoritmo entende o que deve ser pago, o satélite interpreta o valor e logo o dinheiro é liberado. 

Dessa maneira, pagou à testemunha, e, ao chegar em casa, ficou querendo entender o vazio em que se encontrava. Naquela imensidão do nada, surgiu índios dançando. Tinha consciência que tudo aquilo era fruto de um processo imaginativo desgovernado, e ele, uma cópia dele mesmo.    

Tentou acalmar-se e percebeu que se tentasse diminuir ainda mais os batimentos cardíacos entraria em “autocoma”. Passou a mão na cabeça e trouxe, entre os dedos, pensamentos diversos que escorriam igual a queijo muçarela aquecido em forno brando, entretanto, não estavam ligados entre si, apenas unidos por uma gosma feita da escuridão do obscurantismo. 

Ficou escolhendo um pensamento para nortear suas ações, enquanto isso, deitou-se em pé. Suas costas na parede mantiveram contato com chicotadas dadas no presente e passado a nível mundial, reativando, assim, o processo do sofrimento humano como um todo. Nessa jornada, descobriu que as aflições contribuem para formar e preservar as crenças sobre si que cada um usa para dizer: eu sou assim!     

Em seguida, seu olhar foi para o teto do mundo. Lá longe, onde estrelas vagueiam na solidão, ele jogou seu reflexo para investigar até onde ia a relação do seu olho com o universo. Encontrou o formato arredondado, o escuro e o claro, e quando estava próximo a descobrir os segredos da criação, foi jogado para o vácuo do sono.

 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 25.06.2022 – 13: 21



3 comentários:

  1. Bacana, Heraldo. Uma abordagem interessante.

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  2. Obrigado. Isso custou-me um dia ininterrupto de trabalho. Difícil é fazer as aparas no texto, adequar as palavras de forma que tenham uma sonorização diferenciada. São várias dezenas de releituras até chegar a um fluxo plausível no texto. Mas vale a pena!

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  3. Por exemplo: na resposta do comentário, poderia ter parado no... a um fluxo plausível... Eu já havia usado a palavra texto e ficou muito molhado. Heraldo Lins

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