quarta-feira, 2 de março de 2022

VELHOS ENGENHOS NO MEU SERIDÓ - Jair Elói de Souza







VELHOS ENGENHOS NO MEU SERIDÓ


Na idade meã do Século XIX, seguindo o exemplo dos paraibanos e cearenses, instalados e na sua plenitude, funcionavam os engenhos de banguê nas terras confins do Seridó. O estalar da quebradeira da cana de açúcar prenunciava o fabrico da rapadura de banco. Por esses tempos, a mão de obra era suprida das tendas cativas. As colônias latinas viviam a agudez do tráfico dos afro-descendentes, vindos das terras d’além mar, sitas na mama África.
É bem provável que o cultivar da cana no Seridó, no contexto das terras massapesadas de baixio e nos brejinhos de revências de açudes, tenha sido influenciado pelos cearenses, pois estes, ocupavam com esta cultura o sopé da Serra do Araripe, no sul do Ceará, já que, na chã, havia o cultivo da mandioca para a farinhada e do próprio café.
De outra feita, a aquisição de rapadura e da farinha no Cariri, embora ambas fossem de excelente qualidade, demandava custos altos, ante a longa viagem no coice da burrarada. E, ainda, riscos para os velhos matutos comboieiros dos Sertões do Seridó, face a presença de salteadores a partir do vale do Rio do Peixe e, principalmente, nas cercanias do entroncamento de todas aquelas cidades da vizinhança do Crato, como Barbalha, Missão Velha, Jardim e o próprio Juazeiro. Este, em razão das pregações do Padre Cícero, transformou-se numa urbe não só frequentada por fanáticos, mas, também, por cangaceiros, jagunços, gente de boa e má índole, que se albergavam nos feudos dos Coronéis, cuja truculência não guardava distância dos baianos e alagoanos do último quartel do Século XIX e das primeiras décadas do Século XX.
Nos Sertões do Seridó, o fabrico da “rapadura de banco”, tinha destinação para o consumo da própria região. Aliás, o doce, que era utilizado para todas as serventias, era mesmo com exclusividade a rapadura, principalmente nos feudos rurais. Coadjuvante no torramento do café, na confecção de doces e bolos. Não é exagero se afirmar que a rapadura era o alimento mais presente em todas as formas e horas de refeição do sertanejo. No bisaco do caçador, no badaneco do vaqueiro, no saco de boca amarrada do enxadeiro, na carona do viajante e comboieiros, no bornal do cangaceiro, nos alforjes dos rastejadores ou matadores de onça no sertão antigo, sempre havia um naco de rapadura e uma porção de farinha para refeição rápida.
No Município de Jardim de Piranhas e adjacências, conheci, ainda infante, alguns engenhos de moagens de cana: No Braz, o de Quinca Salvino; na fazenda Três Riachos, o do velho Manoel Ambrósio de Queiroz; nos Pocinhos, o de Vigolvino; no Góis, o do velho Cição; e, ainda, na Saudade, o engenho de Manoelzinho Cafunbó, este último já no Município de Timbaúba dos Batistas, e mais alguns que ouvia falar e, lamentavelmente, não cheguei a visitá-los.
Antes da floração das craibeiras amarelas, na primavera setembrina, as velhas moendas começavam a produzir a garapa, que se destinava aos grandes tachos e gamelas, no fabrico da rapadura e de batidas temperadas. O engenho primitivo ou de banguê era movido a boi, um trabalho que começava no “quebrar da barra”. A estação das moagens tinha grande simbologia para o sertanejo. Era um trabalho coletivo, com funções especificadas, o permeio da garapa de tacho em tacho, finalizando na gamela. Todos tinham um conhecimento pragmático do momento em que a calda deveria passar para o tacho seguinte. No entanto, a última palavra era do mestre-da-rapadura, uma similaridade do mestre-de-açúcar nas usinas de refino.
As velhas moendas do meu Sertão foram aposentadas. Não se ouve mais o estalo do chicote no açoite da boiada: um avanço. Porém, de consequência, não se encontra mais a qualidade nas rapaduras ainda produzidas. Nas feiras livres, é comum se verificar o selo de terras pernambucanas, produto com teor significativo de açúcar refinado. A produção do Cariri perdera em qualidade. A brejeira de garajal está mais preta e salobra. O homem destruiu a nobreza das terras massapesadas e de baixio em revência.
Que pena! Meu Sertão não era assim.

J.E.S.

Jair Eloi de Souza (Advogado, educador, poeta e prosador)

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