FAMÍLIA MODERNA
Na sala o pai procura encontrar nos dedos do seu futuro genro uma unha pintada de preto. O clima é tenso sendo disfarçado pelo jornal em frente ao rosto, e o outro revendo mensagens já lidas e jogos já vencidos. Cada um marcando o seu território com pequenos gestos.
Nesse momento ela entra na sala. Pai, nós vamos ao cinema. Aqui não tem mais cinema minha filha, esqueceu que está fechado por causa da doença contagiosa? Eu sei, mas como quero ir para o amasso, tenho que inventar uma desculpa. Minha filha, por que você não disse que queria transar? Eu emprestaria meu quarto, mas mentir para seu pai é muito feio. Ah! Pai, não tem graça eu falar a verdade. Serve de estimulante para Otelo. Ele me disse que gosta de fazer os coroas de bobo. Bem... não disse isso, mas ela disse que eu disse, então tá... Volte cedo porque moça direita não chega tarde. Tá bom pai, amanhã bem cedinho, por volta das cinco da manhã, estarei aqui. Use camisinha. Otelo, você comprou camisinha? Eu... Não! Pai, dê as suas para Otelo usar, é melhor de que eu ficar grávida. Eu nunca usei, disse Otelo, e continuou. Ainda sou virgem. Então chame sua mãe para explicar a Otelo como usar camisinha. Vitória, leve o namorado da sua filha para o quarto e vá ensinar-lhe a usar preservativo. Com todo prazer. Vamos Otelinho... Mamãe, por favor não gaste muito Otelo. Preciso dele com todo o gás.
Os dois na sala, o pai amassando o jornal já lido, a jovem mascando chiclete e tirando a sujeira do nariz. Ficam apreensivos com a demora. Pai, o senhor não acha melhor ir buscar Otelo? É a minha vez de brincar com ele. Mamãe quando pega um namorado meu não quer largar. Vá você filha! Afinal o namorado é seu. Sim, mas a esposa é sua. Par ou ímpar? Não! Pode deixar que eu vou.
O pai ficou limpando os óculos já limpos. Minutos passaram-se, horas também, e os três sumidos da sala. O pai cochilou e sonhou que todos haviam fugidos. Ele, sozinho, sem saber passar roupa. Seria despejado do ciclo social onde ninguém entra com roupa amassada.
Acordou com a filha chamando-o. Pai, o Otelo já aprendeu a usar camisinha, mas foi preciso ensaiar várias vezes. Mamãe já estava cansada de tanto teste, e demorei porque assumi a revisão. Vou deixar Otelo no ponto de ônibus. Vocês íam para o amasso! Desistimos, Otelo nem aguenta ficar de pé. Ele quer que o senhor ensine a irmã dele a namorar. O senhor aceitar ser professor dela? Sim, claro... estarei à disposição. A filha saiu arrastando o namorado enquanto a mãe, descabelada, apareceu na porta perguntando o que o marido queria jantar.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 21/06/2021 – 09:25
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