sábado, 12 de junho de 2021

MANIPULADO ATÉ OS OSSOS - Heraldo Lins

 


MANIPULADO ATÉ OS OSSOS


Na minha cabeça o vazio toma conta. As imagens que Einstein via em fórmulas matemáticas eu não as vejo. Os espíritos que muitos sensitivos dizem ver, eu não dou notícias. Pelejo para ter algo criativo, mas o máximo que consigo é uma tartaruga com uma tapioca nas costas. Nada além disso. E para não ficar de fora do moído literário vou escrevendo o que vejo nas costas das tartarugas. Quem quiser acompanhar o discurso vazio siga-me. 


O nada tem a virtude de não criticar ninguém. O vazio nas entrelinhas deixa todos confortáveis, inclusive o autor. Não haverá comentários. É como ficar olhando peixinhos no aquário. Dia e noite estarão lá nadando igual aqui. Sem trabalho, sem preocupações, apenas com vontade de continuar nadando. 


O bom de tudo isso é a certeza de se estar vivo. Continuar nessa bolha atmosférica respirando sem ajuda de aparelho; caminhando sem muletas e dormindo sem comprimidos. Minha inutilidade é tão majestosa que nem perfume faço uso. A indústria de cosméticos me vê como um anarquista. 


O inútil não é colocado nas estatísticas. Nada se exige dele. Não serve nem para fazer favor. Não existe a profissão da inutilidade. As universidades jamais terão um curso de bate papo na calçada. O curso de fofoqueiro é contemplado com o de jornalismo. O de desocupado, por astronomia. O de surfista, por oceanografia. 


Não ter ganância está difícil. Desde menino fui estimulado a competir por notas altas. No recreio, quem corria mais. Em casa, quem era mais obediente. Fui criado no mundo competitivo em busca do mais e do melhor. Quando adulto, ser diferente de tudo isso, é, no mínimo, desastroso. Uma espécie em extinção. 


A educação competitiva me levava a achar bonito ser o primeiro da fila. Corria para chegar primeiro na cantina. Parecíamos tartaruguinhas correndo em busca do mar aberto. Nem sabia eu que a fila é uma invenção para manipulação dos desejos. Levar as pessoas a desejarem serem os primeiros é a base do consumismo desenfreado. Ser o primeiro filho já é visto como quem deve ter mais direito, mesmo sendo filho dos mesmos pais. Os discursos e procedimentos marcam os últimos para assumirem o papel de “ninguém” na sociedade. 


A competição é pensada e colocada em prática com objetivos lucrativos. Depois de treinar a população nessa loucura, é só fabricar produtos. Todos os treinados irão comprar... por falar nisso, vou ter que me adaptar a comprar em doze prestações sem juros.     



Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 27/04/2021 – 08:16

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