GRIPEZINHA NADA ENGRAÇADA
A doença levou mais uma amiga da minha amiga. Os vestidos belíssimos que ficaram no guarda-roupa são vistos como morcegos pendurados. Toda a cultura do medo contribui para a construção de uma idade pós-contemporânea, ou idade viral.
Quando jovens, as duas participaram juntas de atendimentos dentários. Havia uma fila e nessa fila, um intrometido. Durante o tratamento, quando ele conseguia chegar mais cedo, ficava zombando das duas. Resolveram ir mais cedo para o atendimento no segundo expediente. Ela, amiga da amiga, dizia que o vigia tinha cara de quem havia chupado trouxa¹. Caíam na risada quando Antônio confirmava que havia sim, chupado muita trouxa quando criança. A boca de Antônio circundada por lábios revirados causava riso quando dizia que chupar trouxa era seu passatempo predileto.
Depois de apresentarem-se ao vigia, ficavam escondidas para o intrometido pensar que seria atendido primeiro. Quando faltava poucos minutos para as 14:00 horas, apareciam pilheriando o outro. O direito das duas era confirmada pelo “chupa trouxa”. Ele dizia que as meninas haviam chegado primeiro, e assim “tiravam o couro” do enfileirado.
O rival trabalhava em uma loja, e até o acusavam de babão do dono. “Rolavam no chão” de tão engraçado que era misturar palavras como “chupa trouxa” e “babão”. A algazarra consistia em misturá-las envolvendo o intrometido e o vigia no balaio de gato.
Elas sempre se divertiam com os momentos difíceis a que eram submetidas. As brincadeiras sadias faziam parte do cotidiano das duas amigas. Hoje, a que ficou, relembra aqueles momentos agradabilíssimos, mas a “coronamorte” da amiga não é motivo para risos...
¹ Trouxa era uma mistura de farinha com açúcar amarrada em um pedaço de pano. Era entregue para as crianças pobres do nordeste brasileiro chuparem com o objetivo de enganarem a fome.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 11/06/2021 – 06:51
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