quinta-feira, 27 de maio de 2021

NADA É FÁCIL - Heraldo Lins



 NADA É FÁCIL  



Deparei-me ontem com um pedinte. Era um pequeno armário cheio de livros com a inscrição: leia-me.  Aparentemente abandonado, estava com as portas escancaradas oferecendo obras de todos os estilos para serem levadas gratuitamente. Trouxe um com as páginas amareladas. No caminho de casa fiquei imaginando quanto trabalho foi desprendido para produzi-lo. Hoje praticamente quase virava lixo. A ideia de salvar essas pérolas está entre as mais geniais por mim abraçadas. 


Sendo assim há um valor maior nessa leitura. É tanto que eu estava lendo, mastigando e engolindo a folha. Seguia o conselho do sábio que diz: vamos devorar os livros. Depois das primeiras páginas senti enjoo. Sabendo que a tinta é feita à base de metal, parei para não me tornar um soldadinho de chumbo. Preferi continuar usando o fogo. Lia e queimava o lido. Não queria deixar nenhum vestígio do que estava lendo. Se alguém descobrisse eu ficaria aborrecido. Não gosto de interrogatórios. 


Procuro esconder o conhecimento para me livrar da curiosidade das meninas do clube literário. Todas elas são ótimas estudiosas. As minas usam um código para falar. Concordando com as propostas indecentes dizem a fórmula de Bhaskara. Se não, recitam o teorema de Pitágoras. Nas noites chuvosas usamos código Morse. 


No nosso círculo de “ficantes” temos um pacto: nada pode ser dito diretamente. Às vezes quando quero falar com uma delas, passo uma mensagem perguntando se Afrodite quer falar com Zeus. Recentemente uma respondeu que eu precisava dissertar durante uma hora sobre os Triunviratos para ela começar o diálogo. Fui atrás desse conhecimento. Adentrei a madrugada preparando o material, mas quando preenchi o requisito ela disse que outro havia chegado primeiro. Vou guardar essa pesquisa para evitar ser passado para trás na próxima vez.


Não foi a primeira nem será a última vez que perco oportunidades. Quem corre atrás do conhecimento sabe que há um inimigo natural: o processo de esquecimento. Além dele, no meu caso, há o vento. Onde estou há sempre vento embaralhando as páginas, mas como conquistar namoradas depende do repertório que se tem, sigo o caminho mais lógico: decoro poemas e tudo que possa servir no diálogo. Qualquer desconfiança que nada sei, a relação é interrompida drasticamente. Sou bloqueado sem perdão. 


Entrou uma novinha no circuito que quer que eu fale hebraico. Depois que a vi de biquini não tiro a enciclopédia da cara. Vou aprender antes que ela fique gorda.     


Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 29/03/2021 – 06:53

84-99973-4114

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