MINHAS MÃES - Gilberto Cardoso dos Santos

 

Minha mãe, Maria Severina dos Santos, foi casada  com Dão, um cara de Barra de Santa Rosa que não conheci, pai de meus meio irmãos Antônio Cardoso dos Santos (Nego Tota), Zezinho (Tirinete) e Terezinha de Jesus (Jesus). Dão se foi para o sul, provavelmente numa daquelas levas de retirantes comuns à época, em um pau-de-arara, e nunca mais voltou.

Minha mãe teve que se virar para sobreviver; adquiriu uns burros, uns barris e passou a vender água. Disseram-me que parte dessa água foi utilizada para construção da cadeia pública de Cuité. 

Era uma mulher bonita, dizem os que a conheceram. Tempos depois da partida de Dão, ela teve uns casos e eu nasci. Apesar de ter cerca de quatro anos quando ela morreu, recordo-me de algumas cenas, ainda que vagas: uma caranguejeira de plástico saltitante  que me trouxe da feira; do dia em que apontou para alguém ao longe em um cavalo e disse: "aquele é o seu pai". A cena mais triste, porém, se deu em uma noite: ouvi um choro e ela apareceu no estreito vão em que eu dormia e tinha, além de lágrimas,  os lábios ensanguentados; cresci com o pensamento de que alguém os havia mordido, mas por fim passei a pensar em hipótese mais viável. Decerto ela tentava me resguardar do que fazia e o que sofria.

Morreu de hepatite, relativamente jovem. Soube depois que enlouqueceu antes de morrer. Eu diria que entrou em estado de alucinação devido a doença.

Enquanto era velada na casinha em que eu passaria a morar com Dona Ana do finado Mané João, sua mãe de criação, eu brincava despreocupadamente embaixo da mesa e tentava envolver algum outro menino que ali se achava, na cozinha, onde alguns tomavam café, divagavam, riam e voltavam a falar  com seriedade sobre a falecida. Fui repreendido pela falta de respeito, saí chorando desesperado e, num descuido dos que ali estavam, pus-me a mamar no peito sem vida.

Todos achavam que eu não escaparia, pois teria sido contaminado. Como os anos passaram e não morri, acharam que se deu um milagre.

Nada sei sobre minha avó legítima, apenas que ela se suicidou ateando fogo ao próprio corpo. Foi assim que aquela que criou minha mãe, tornou-se minha  avó de criação ou segunda mãe.

De minha mãe legítima não tenho nada, além dessas vagas lembranças. De minha adotiva, a quem chamava de Mãe Aninha do Céu em certos momentos, obviamente lembro bem mais. 

Sinto que nos três anos e alguns meses em que esteve comigo, minha mãe sacrificou-se para me dar o melhor. Não lembro dela me batendo ou repreendendo, embora deva ter feito alguma vez.

Apesar dos pesares, das frustrações que tive que suportar ao longo da vida, tive o privilégio de ter duas mães maravilhosas!

Gilberto Cardoso dos Santos